Delações na mira de Cármen 

Maria Lima, André de Souza e Tiago Dantas 

22/01//2017

 

 

Presidente do Supremo avalia brecha aberta pelo recesso para homologar acordos

BRASÍLIA, PORTO ALEGRE E SÃO PAULO- Mesmo antes do fim do recesso do Judiciário, que vai até 31 de janeiro, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, avalia chamar para si a responsabilidade de homologar as delações premiadas dos executivos da empreiteira Odebrecht, que estão em fase final no gabinete do ministro Teori Zavascki. A delação integra a Operação Lava-Jato e põe na lista de investigados cerca de 120 políticos, com mandato no Congresso ou com vaga na Esplanada dos Ministérios.

A possibilidade de Cármen avocar para si a homologação, antecipada ontem pelo colunista Merval Pereira, levará em conta a gravidade e a excepcionalidade do momento. O regimento interno do STF lista que, entre as atribuições da presidente do tribunal, está “decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias”. A partir de 1º de fevereiro, com a corte voltando a funcionar plenamente, essa possibilidade já não existe mais. Não há previsão legal de que a presidente do tribunal possa avocar para si esta tarefa.

De volta a Brasília na segunda-feira, o roteiro de Cármen Lúcia será: estudar, refletir e conversar para tomar essa decisão. A ministra também precisará decidir sobre a escolha do novo relator dos processos da Lava-Jato. O caminho da presidente do Supremo será inspirado no regimento, mas ela enxerga alternativas, já que a lei deve ser interpretada.

DOCUMENTOS VÃO PARA SALA-COFRE

Os documentos das delações da Odebrecht que estavam sendo analisados pelos juízes auxiliares sairão do gabinete de Teori e serão devolvidos à sala-cofre do tribunal. Mesmo no recesso, eles vinham atuando em regime de esforço concentrado, analisando os documentos e cerca de 800 depoimentos de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht.

Havia a expectativa de que a decisão de homologar ou não as delações seria tomada em fevereiro pelo ministro Teori. Os delatores seriam ouvidos para comprovar que decidiram colaborar sem coações e assistidos por advogados. Com a morte de Teori, a relatoria fica indefinida e, portanto, os servidores não poderão continuar examinando o material.

Ainda não houve julgamentos condenando ou absolvendo réus da Lava-Jato no STF. Por enquanto, o tribunal tem analisado pedidos de liberdade de réus presos e denúncias do MPF. Nos dois casos, os investigados têm levado desvantagem. O ministro Teori Zavascki tinha o costume de manter prisões determinadas pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que conduz as investigações na primeira instância.

Juízes e advogados que foram ontem ao velório do ministro Teori Zavascki em Porto Alegre defenderam que a relatoria dos processos da Lava-Jato seja distribuída entre os demais ministros por meio de sorteio eletrônico. Os ministros do Supremo evitaram tocar no assunto. Presidente da Corte, Cármen Lúcia não deu declarações à imprensa.

— Não há nada decidido nesse momento. O regimento tem as previsões necessárias para essas hipóteses e isso será objeto de análise. Nesse momento, vamos falar apenas do querido amigo e colega Teori. É momento de luto e tristeza. As questões institucionais serão resolvidas num momento oportuno — afirmou o ministro Ricardo Lewandowski.

MINISTRO DO STJ DEFENDE POSSIBILIDADE

Edson Fachin também disse que não era momento de falar sobre o substituto.

— Estamos aqui com o olhar e o coração voltados para o presente, que é da perda de um amigo. É um momento de prestar respeito a essa circunstância e prestar homenagem ao ministro Teori. Das circunstâncias que decorrem dessa vacância, o Tribunal se encarregará dela o mais breve possível — declarou Fachin.

Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino, Cármen Lucia homologar a delação seria uma decisão “acertada”. Segundo ele, o regimento do Supremo permite várias interpretações para a redistribuição dos processos da Lava-Jato, embora acredite que o melhor seria o sorteio entre os demais ministros.

— Cármen Lúcia assinar as homologações seria acertado. Sobre a relatoria dos casos, acho que não se deve deixar a repara o ministro que for assumir. Seria uma situação política extremamente delicada ele ter que participar da sabatina no Senado — disse Sanseverino.

Gilmar Mendes, como Cármen, não deu declarações à imprensa.

Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV-SP, diz a que ministra Carmen Lúcia poderia perfeitamente homologar as delações ainda pendentes, como a da Odebrecht. Para isso, diz, bastaria que o Ministério Público Federal (MPF) se manifestasse junto ao Supremo pela urgência da homologação.

— Nesse caso ela poderia deliberar sobre a homologação e depois redistribuir o processo — diz Glezer, observando que pelo regimento da Corte a ministra não pode ser a relatora do processo.

Para o professor de Direito Constitucional do Mackenzie Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, um atraso no processo da Lava-Jato no Supremo é quase inevitável. Mas algumas medidas poderiam evitar que ele fosse muito grande, como o novo ministro relator aceitar trabalhar com a equipe montada pelo então ministro Teori Zavascki.

— O principal é o ponto de vista prático da estruturação da administração do processo. Se o ministro que escolhido relator decidir que vai montar uma nova equipe para esse trabalho aí poderemos ter um atraso de quatro, seis meses. Mas se o novo relator aceitar trabalhar com os assessores que estavam com Teori, o atraso pode ser bastante reduzido — avaliou Amaral. (*Enviado especial)

O globo, n. 30484, 22/01/2017. País, p. 3