O Estado de São Paulo, n. 45012, 12/01/2017. Economia, p. B3
‘Podemos ter Selic de um dígito no fim do ano’
 

Douglas Gavras

 

Os próximos meses serão definitivos para o futuro imediato da política de juros do Banco Central, segundo José Márcio Camargo. Para o professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e executivo da Opus Investimentos, o governo terá de ditar o ritmo de revisão da taxa de juros de olho na definição da política econômica de Donald Trump, a partir do próximo dia 20, e do andamento de reformas, como a previdenciária. A seguir, trechos da entrevista ao Estado.

 

Como interpretar a queda de 0,75 ponto porcentual na taxa de juros? O governo tem pressa?

O porcentual de queda maior agora não é totalmente fora de propósito, embora eu acredite que uma redução mais conservadora, de 0,5 ponto porcentual, tivesse sido melhor, até para sinalizar mais segurança para o mercado de que poderemos chegar a uma taxa mais baixa no fim do ano. Ainda assim, podemos chegar a uma Selic de um dígito, abaixo de 10%, se tudo der certo e a inflação permanecer controlada.

De qualquer modo, 0,25 ponto não é tão importante, ao se pensar que a taxa de juros estava nas alturas. O governo sabe que tem de mexer nos juros para aquecer a economia.

 

As mudanças na Selic têm sido operadas em um ritmo correto?

Sim, o Banco Central demonstrou que tentava levar as expectativas de inflação à meta, de 4,5%, resistindo a uma pressão de mexer nos juros antes do tempo. Isso sinalizou para o mercado que a preocupação com a meta de inflação era real, o que era necessário, pois essa equipe pegou um BC com pouca credibilidade, fruto da leniência dos últimos anos.

 

Como deverão ser as próximas reuniões do Copom?

Os próximos meses vão ser definitivos para o futuro da taxa básica de juros. O Banco Central terá de operar de olho no sucesso do governo Temer em aprovar reformas, como a previdenciária, propor mudanças nas regras tributárias e ainda seguir uma política fiscal correta, sem alta de gastos. Também teremos de ver como vai se comportar Donald Trump na Casa Branca.

 

O cenário internacional pode influir nas decisões do Copom?

Sim. Caso Trump cumpra suas promessas protecionistas e suba gastos, haverá alta da inflação. O Fed (o BC americano) será obrigado a assumir uma postura mais dura e subir mais os juros. Se o cenário externo se deteriorar, o Brasil terá de rever seus planos

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IPCA fica dentro do teto da meta em 2016

 

Daniela Amorim

 

Os aumentos de preços na economia brasileira voltaram a ficar comportados em dezembro. A alta de 0,30% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi o resultado mais baixo para o mês desde 2008. A variação fez a inflação oficial no País encerrar 2016 em 6,29%, dentro da margem de tolerância da meta estipulada pelo governo, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A taxa de inflação em 2016 livra o Banco Central de dar explicações ao Ministério da Fazenda. Mas, segundo o IBGE, o arrefecimento dos preços foi impulsionado por ingredientes negativos, como recessão econômica, deterioração no mercado de trabalho e juros altos.

“A demanda mais fraca contribuiu muito no sentido de desacelerar o IPCA em 2016”, declarou Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE. A tendência é que o alívio na inflação se prolongue ao longo deste ano e traga o IPCA para o centro da meta (4,5%), o que permitiria uma redução mais forte na taxa básica de juros (Selic) nos próximos meses, dizem analistas.

Rodrigo Melo, economistachefe da Icatu Vanguarda, avalia que há possibilidade de a queda na inflação provocar redução mais aprofundada na Selic no início do segundo trimestre.

“O Banco Central tem mais chances de reduzir a Selic em 0,75 ponto porcentual em abril, após observar no primeiro trimestre o desempenho da inflação, do nível de atividade e do comportamento do dólar.” Segundo Eulina, vários componentes pressionaram os preços no ano passado, como o impacto climático sobre as lavouras, o efeito da instabilidade política sobre o dólar e o aumento do ICMS sobre diversos produtos, como chocolate, cigarro e cerveja. No entanto, desemprego, queda na renda e restrição ao crédito reduziram o consumo das famílias, impedindo repasses maiores aos preços.

Reflexos. A demanda mais fraca está presente nos aumentos menores dos alimentos, mas também em recuos importantes como os de passagens aéreas, automóvel usado, peças de mobiliário. Já as principais elevações de preços em 2016 entre os itens não alimentícios foram consequência da indexação, ou seja, de aumentos que repõem a inflação passada, que foi bastante elevada. “São muito indexados itens como plano de saúde, empregado doméstico, taxa de água e esgoto, ônibus urbano”, explicou a coordenadora do IBGE.

O plano de saúde subiu 13,55% em 2016, segundo maior impacto no IPCA do ano, atrás apenas da alimentação fora do domicílio (com alta de 7,22%). O empregado doméstico aumentou 10,27%, terceiro maior impacto, enquanto que os produtos farmacêuticos ficaram 12,50% mais caros.

Depois de subir 51% em 2015, a conta de luz recuou 10,66% em 2016, o que também ajudou a diminuir a taxa acumulada pelo IPCA. Na direção oposta, passagens aéreas, gasolina e cigarro foram os itens que mais pressionaram a inflação: 73% da alta do IPCA de dezembro.

Projeção. Para 2017, a expectativa é que a inflação comece o ano pressionada por reajustes de preços administrados. O IPCA absorverá, sobretudo, aumentos nos gastos com transportes, como ônibus urbano, táxi, metrô e ônibus intermunicipal.

No entanto, a expectativa para o ano é de taxas de inflação menores do que as registradas em 2016, uma vez que as previsões para o clima e a safra agrícola do País são melhores, reconheceu Eulina.

O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Souza Leal, estima que o IPCA anualizado chegue a 4,5% ainda no primeiro semestre do ano, mas acelere no segundo semestre, até fechar o ano em 4,8%.

Segundo ele, alcançar o centro da meta de 4,5% ao fim de 2017 é factível, mas dependerá do comportamento dos preços dos alimentos. / Colaboraram Ricardo Leopoldo e Thaís Barcellos

 

Cenário negativo

“A demanda mais fraca contribuiu muito no sentido de desacelerar o IPCA em 2016.”

Eulina Nunes dos Santos

COORDENADORA DE ÍNDICES DE PREÇOS DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA