Resistência inevitável

Benedita Silva

23/01/2017

 

 

Todo trabalhador com carteira assinada sabe que sairá perdendo salário, benefícios e direitos com o fim da CLT e a adoção da terceirização das atividades-fim. Ele sabe que isso é de exclusivo interesse das classes patronais e de um punhado de dirigentes sindicais a elas ligados.

O Dieese divulgou estudo mostrando que, em relação aos trabalhadores contratados, os terceirizados têm, em média, um salário 24% menor, uma jornada de trabalho três horas mais longa e são as maiores vítimas de acidentes de trabalho. Em sua essência, a terceirização é a redução do custo com encargos na contratação por meio da precarização das relações de trabalho.

Resumo aqui um relato bem elucidativo do que é trabalho terceirizado, publicado pela CUT em agosto de 2016. Desde 1993, quando a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou a jurisprudência sobre a terceirização da atividade meio e a responsabilidade subsidiária do tomador, dona Zefa é “terceirizada da limpeza”. Nesse período, ela foi transferida de empresa várias vezes, mas nunca viu seus direitos respeitados. Virou uma “cliente” da Justiça do Trabalho.

Trabalho terceirizado, como o de dona Zefa, atinge a autoestima do empregado, impede a organização de pleitos coletivos e cria verdadeiras castas entre empregados e terceirizados, com direitos, salários e tratamento diferenciados. É essa situação que o governo Temer quer estender para todas as atividades-fim das empresas.

Havendo só desvantagens, fica claro por que os trabalhadores com carteira assinada são contrários à terceirização. Muito mais do que a garantia de direitos trabalhistas, a CLT representa para o trabalhador uma relação cultural com o seu emprego. Mesmo se esgueirando pelas sombras, escondendo-se por trás do STF, não será fácil para o governo fazer essa reforma trabalhista reacionária. A resistência dos trabalhadores será inevitável e nada a deterá. O que não faltam são exemplos históricos mostrando que nenhuma repressão consegue impedir a luta por justiça social.

Desse modo, toda tentativa deste governo ilegítimo de fazer voltar para trás a roda da História redundará em fracasso. Pensar que é possível transformar o Brasil atual, uma das dez maiores economias do mundo, naquele país rural e oligárquico da Primeira República, onde a classe trabalhadora não tinha nenhum direito, é um equívoco absoluto e, em médio prazo, um projeto político não sustentável. É o que já estão sinalizando as sucessivas crises políticas do governo atual e o agravamento, a perder de vista, da recessão econômica, do desemprego e da redução de direitos.

A adoção de uma medida como a terceirização, com enorme impacto na vida de dezenas de milhões de trabalhadores e suas famílias, exigiria, no mínimo, uma consulta direta à população brasileira. Certamente, as classes patronais também não aceitariam nenhuma medida do governo que as impactasse do mesmo modo sem antes serem consultadas.

O globo, n. 30485, 23/01/2017. Artigos, p. 12