Enfim, um sinal de inteligência 

Ozanir Roberti Martins 

23/01/2017

 

 

Na coluna do Merval, no GLOBO de 17 de janeiro, li que o presidente Temer pretende procurar o ex-presidente Fernando Henrique para discutir a descriminalização do porte de drogas para uso próprio.

Sem dúvida, é um belo sinal de inteligência, e de coragem.

Não se trata, como pode pensar algum mau leitor, ou mesmo alguém mal intencionado na interpretação, de despenalizar e muito menos legalizar o uso ou o porte de drogas. O que se propõe é pensar e debater o assunto sem pontos de vista pré-fixados.

O próprio FHC, nos seus governos, não promoveu esse debate. Talvez não o visse como importante. Ao sair do poder, começou a participar de grupos que se dispuseram a conhecer e estudar o problema. Ele chegou a copresidir a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia.

Vejam a que ponto se chegou “Drogas e Democracia”!...

E nós, em que ponto estamos? Sabemos que existe uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a ser tomada sobre a descriminalização do porte de drogas. Nela, já há três votos favoráveis, embora o relator considere manter sanções administrativas ao porte da droga para consumo — advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento em curso educativo. Por outro lado, dois ministros votaram pela descriminalização apenas da maconha, apenas uma ponta do iceberg. No entanto, está tudo parado devido a um pedido de vistas do ministro Teori Zavascki.

Entretanto, há uma urgência: num país em que 90% dos presos são pequenos traficantes, os quais, com o tempo, são cooptados pelas grandes quadrilhas, não há dúvidas de que essa é uma estratégia de, pelo menos, começar a combater o problema da superlotação dos presídios (presídios ou masmorras medievais ou home office do crime?).

Pior é entre as mulheres, quando esse percentual, com certeza, deve ser maior ainda: quantas ali estão naqueles cárceres mal cuidados depois de terem sido usadas por seus então companheiros?

Com certeza, tudo que já se tentou até hoje como forma de combater as drogas não deu certo, pois só fez crescer o poder do tráfico internacional.

As nações que mais gastaram dinheiro nesse confronto, como os EUA, são as que têm os maiores problemas no seu uso e no combate às quadrilhas organizadas.

O modelo mundial usado até hoje, certamente, faliu. Não trouxe benefícios, a nenhuma nação, e principalmente a ninguém, o que se pode ver pelas dificuldades de recuperação da pessoa. Estigmatizado pelas tais sanções administrativas, o doente (doente pelo vício; antes doente do que viciado) tem dificultado o seu acesso ao tratamento e mesmo ao trabalho de prevenção ao uso de drogas ou a novas oportunidades. A pergunta é: a quem interessa isso? Não consigo deixar de pensar em mim mesmo. Nunca usei drogas, nem mesmo fumei um simples cigarro, mas, como professor de ensino médio e universitário, além de diretor de escola, jamais defendi essa ideia de descriminalizar o porte de drogas para consumo, por um certo preconceito de ser mal entendido.

Agora, não tenho dúvidas: chegamos a um ponto em que a própria democracia está ameaçada por algo muito mais grave! E tenho certeza: fechar os olhos é um crime muito maior!

O globo, n. 30485, 23/01/2017. Artigos, p. 13