Rio é denunciado à ONU por matança

01/04/2017

 

 

Relatório preparado pela ONG Justiça Global aponta grave situação de violência institucional contra população jovem e negra, moradora de favela e de periferias. Documento relaciona 182 mortes causadas por policiais entre janeiro e fevereiro

 

 

A ONG Justiça Global encaminhou relatório à Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando o Estado do Rio de Janeiro por “grave situação de violência institucional contra a população jovem e negra, moradora de favelas e de periferias”. O documento, enviado à Relatoria de Execuções Extrajudiciais Sumárias e Arbitrárias da ONU, relaciona as 182 mortes causadas por agentes de segurança nos primeiros dois meses de 2017 e chama a atenção para “o estado de guerra permanente não declarado”.


“É importante chamar atenção para o papel do sistema de Justiça na investigação e responsabilização dos casos de execuções sumárias. Grande parte das denúncias são arquivadas”, diz a coordenadora da área de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, Isabel Lima.

De acordo com o documento, “o país, e em especial o Rio de Janeiro, tem avançado na política de militarização e de encarceramento em massa como supostas soluções para os problemas de segurança pública. O que se vê, porém, é um aumento da letalidade policial e dos números de mortes em geral, assim como de desaparecimentos. Nessa lógica de confronto, também se acumulam casos nos quais os agentes do Estado assassinam friamente pessoas, como ocorreu na quinta-feira, na Fazenda Botafogo, Zona Norte do Rio, quando dois homens foram executados por policiais militares”. Foi durante este confronto que a estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, morreu no pátio de uma escola depois de ser baleada.

A Justiça Global diz que o “estado de guerra permanente não declarado” também promove baixas entre os policiais: em 2015, 393 foram assassinados; dos quais 103 em serviço. Em nota pública, a ONG cobra a responsabilização da Secretaria de Segurança pelas violações de direitos. “A Justiça Global ressalta que se junta aos movimentos de jovens, de negras e negros, mães e familiares atingidos pela violência estatal, de favelas e de periferias, de resistência cultural e de afirmação da vida para exigir que o Estado brasileiro mude radicalmente sua política baseada no recrudescimento da militarização nas favelas, de aumento expressivo dos autos de resistência em mais de 70% — se comparados os números de fevereiro de 2016 (49 mortes) e fevereiro de 2017 (84 homicídios) —, de tantas violações de direitos básicos da população pobre e negra no Rio de Janeiro.”

Segundo a ONG, a Secretaria de Segurança Pública deve ser responsabilizada por esses atos. “As vítimas têm nome, idade, raça, gênero, família e uma história que foi brutalmente interrompida. A morte traz em si a carga política, de um estado que cultiva a guerra, a opressão e o genocídio”, diz a nota pública divulgada pela entidade.

A Secretaria de Estado de Segurança informou que não foi procurada pela ONG nem pela Relatoria de Execuções Extrajudiciais Sumárias e Arbitrárias da ONU e, por isso, não se pronunciaria sobre as questões levantadas pela Justiça Global.

“Covardia tremenda”
A família de Maria Eduarda disse não ter dúvidas de que os tiros que mataram a menina, na escola em que estudava, em Acari, na Zona Norte do Rio, na quinta-feira, à tarde, partiram da Polícia Militar, e não de traficantes. A estudante foi alvejada na cabeça e nas nádegas, durante uma ação policial. Caçula da família, ela praticava basquete na escola e participaria hoje de uma competição estudantil.

“É muita revolta, indignação. Pela posição em que ela estava e os policiais estavam, não é preciso ser perito para entender e ver a lógica do fato. Duas crianças que estavam com ela contaram como aconteceu. Foi uma covardia tremenda. A escola é localizada numa comunidade de risco. Pessoas que têm treinamento e qualificação não podem atirar assim”, disse Uidsom Alves, um dos irmãos da menina, professor de luta, no Instituto Médico Legal, segurando um punhado de medalhas que ela havia conquistado no basquete e o casaco que usava, perfurado a bala e sujo de sangue.

Ontem, o cabo Fabio de Barros Dias e o sargento David Gomes Centeno tiveram a prisão preventiva, sob a acusação de homicídio. Os dois PMs, porém, já são investigados por outros casos de auto de resistência, quando há mortes em ações policiais. Segundo o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública, do Ministério Público Estadual, há 11 casos imputados ao cabo e 5 ao sargento.

O porta-voz da Polícia Militar, major Ivan Blaz, disse que, “como policial”, entende “a perda de sensibilidade e o embrutecimento por parte desses policiais”. “Institucionalmente, a obrigação da PM é apurar o fato e punir exemplarmente os policiais para que isso não se repita. Mas, pessoalmente, enquanto policial militar que já esteve em situações de confronto armado, eu entendo a perda de sensibilidade e o embrutecimento por parte desses policiais. Eles não estão lidando com pequenos ladrões, estão lidando com oponentes armados com fuzis”, disse o major.


"Eu entendo a perda de sensibilidade e o embrutecimento por parte desses policiais. Eles não estão lidando com pequenos ladrões, estão lidando com oponentes armados com fuzis”
Ivan Blaz, porta-voz da Polícia Militar


Dois morrem em queda de avião
Um avião de pequeno porte caiu por volta das 14h50 de ontem no Jardim Novo Horizonte, em Sorocaba, interior paulista. Segundo o Corpo de Bombeiros, duas pessoas morreram. O acidente ocorreu em uma zona de vegetação. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que se tratava de um avião bimotor, modelo PA42, do fabricante Piper Aircraft. A documentação da aeronave estava regularizada. O avião saiu de Manaus e seguia para Barra do Garças (MT).

 

 

Correio braziliense, n. 19667, 01/04/2017. Brasil, p. 6.