Catarinense de alma gaúcha, Teori Albino Zavascki era um ministro discreto, de perfil técnico, com sólida formação acadêmica, apaixonado por música clássica e torcedor do Grêmio, clube do qual foi conselheiro. Foi indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela então presidente Dilma Rousseff em setembro de 2012, no lugar de Cezar Peluso, que se aposentara.
Na época, a escolha foi interpretada como uma tentativa de Dilma de blindar o Planalto contra pressões de setores do PT que se movimentavam no meio do julgamento do mensalão para patrocinar um nome ligado à legenda. Apenas dois anos depois, a rotina do magistrado que sempre se mostrou avesso aos holofotes começou a ganhar repercussão nacional. No primeiro semestre de 2014, Teori se tornou relator de um caso até então muito distante da cúpula do poder: uma investigação envolvendo dois deputados, doleiros e o uso de um posto de gasolina em Brasília para lavagem de dinheiro. Nada menos do que a Operação Lava Jato.
De origem polonesa e italiana, Teori fez carreira no Rio Grande do Sul, onde se formou em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e depois se tornou mestre e doutor em direito processual pela mesma instituição. Foi professor de direito processual na Faculdade de Direito da UFRGS de 1987 a 2005.
Entre 1989 e 2003, integrou o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, com sede em Porto Alegre, onde foi presidente de 2001 a 2003. Em maio de 2003, tornou-se ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, onde ficou até ir para o STF.
A primeira ação da Lava jato que chegou ao seu gabinete envolvia os então parlamentares André Vargas e Luís Argolo, hoje laterais no esquema. Na ocasião, Teori decidiu que caberia ao Tribunal – e não ao juiz Sérgio Moro – decidir o que era tema da Justiça Federal em primeira instância e o que era caso para o STF, quando congressistas estavam envolvidos. Era o primeiro recado a Moro de que a Corte não só supervisionava seus trabalhos como dividiria com ele a responsabilidade pela operação.
De lá para cá, Teori se tornou o relator da Lava Jato e teve voltada para si toda a atenção. Ele foi responsável por homologar todas as delações que citaram políticos e autoridades com foro privilegiado – o que inclui operadores, ex-diretores da Petrobrás, empresários e políticos. Em dezembro, recebeu em seu gabinete as 77 delações de executivos da Ode brecht, com a promessa de que sua equipe trabalharia no material durante o recesso para validar os acordos já na retomada do ano, em fevereiro.
As primeiras delações premiadas homologadas foram de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, e do doleiro Alberto Youssef. Os relatos deram origem à famosa “lista do Janot” – uma referência aos mais de 30 inquéritos solicitados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para investigar presidentes, ministros e parlamentares.
Decisões compartilhadas. A sintonia entre a Procuradoria-Geral da República e o gabinete de Teori foi responsável por boa parte das conquistas da Lava Jato na investigação de autoridades. Mesmo em pedidos pouco comuns, Teori ouviu Janot, com quem mantinha boa relação. O maior exemplo foi o pedido de prisão de um senador no exercício do mandato. Delcídio Amaral (ex-PT) foi preso em novembro de 2015, por decisão monocrática de Teori. Um dia antes, ele chamou os colegas da 2.ª Turma do STF e disse que estava prestes a dar um despacho muito importante – e polêmico.
Estavam presentes na reunião, além de Teori, Dias Toffoli, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. O relator colocou o áudio das conversas gravadas em que Delcídio planeja a fuga de Nestor Cerveró e cita suposta influência junto aos magistrados da Corte. A fala irritou os ministros. A pedido de Teori, a reunião ficou em absoluto sigilo até a manhã seguinte, quando a Turma corroborou a decisão com falas duras contra a corrupção.
A divisão de decisões emblemáticas com os demais ministros contrasta com o perfil de magistrados mais antigos do Tribunal, que preferem se denominar “ilhas”. No ano passado, Teori conversou com os pares antes de levar ao plenário o julgamento sobre o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara. O ministro levou cinco meses para tomar uma decisão sobre o pe dido de Janot para retirar Cunha do mandato, mas decidiu conceder uma liminar diante da possibilidade de o caso ser avaliado, de forma incompleta, em ação semelhante distribuída a Marco Aurélio Mello.
Já o relacionamento com Moro foi respeitoso, mas marcado por divergências. Em abril de 2015, Teori deu voto favorável à soltura de empreitei ros presos havia cinco meses por Moro. Argumentou que seria “de extrema arbitrariedade” manter executivos na cadeia para compeli-los a firmar acordos de delação premiada.
Em junho de 2016, Teori anulou escutas telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a ex-presidente Dilma Rousseff. Apontou que Moro usurpou a competência do STF ao autorizar os gram pos em março daquele ano.
Para preservar a integridade das investigações, evitava fazer comentários públicos sobre o trabalho. “Na hora certa, vocês saberão”, costumava responder a jornalistas. Chegou a manter 120 processos ocultos sob o guarda-chuva de seu gabinete. Pouco disso foi tornado público, o que significa que há muito a ser revelado.
Como resultado, ganhou também o respeito dos colegas da Corte, que o viam como um ministro íntegro, sério e firme. Em matéria de Lava Jato, todos os ministros consideravam que seu voto era o de maior peso e esperavam sempre pela sua posição.
Humor. Em meio à rotina de trabalho no STF, Teori conseguia encontrar tempo para colocar um boné e caminhar na quadra onde vivia na Asa Sul, bairro nobre de Brasília. Quem lidava diretamente com ele o classifica como um ministro de humor elegante, fino, inteligente, que ouvia Chopin no gabinete. Nos últimos meses, fazia piada entre auxiliares sobre sair na rua e ser reconheci do por populares, levando com bom humor o assédio.
Em dezembro, depois da última sessão plenária do STF, Teori conversou pela última vez com os repórteres que cobrem o Judiciário, classificando como “lamentável” o vazamento de parte do conteúdo da delação de executivos e exexecutivos da Odebrecht. O ministro havia prometido dar um “ritmo normal” à analise das delações, sem acelerar o processo. Também disse que 2016 “foi um ano muito difícil para o Brasil” e afirmou “esperar que as coisas melhorem”.
Em agosto de 2013, o ministro perdeu a sua mulher, Maria Helena Marques, que morreu aos 50 anos vítima de um câncer. Morava sozinho em um apartamento funcional da Corte, na Asa Sul. Aos finais de semana e feriados viajava para encontrar a família no Rio Grande do Sul. Teori faleceu ontem aos 68 anos, deixando três filhos: Alexandre, Liliana e Francisco.
Memória
“É uma grande perda. A cidade está de luto.”
Flávio Boff
EX-PREFEITO DE FAXINAL (SC), CIDADE NATAL DE TEORI ZAVASCKI
“Na hora certa, vocês saberão.”
Teori Zavascki, SEMPRE RIGOROSO COM SIGILO, AO SE DIRIGIR A JORNALISTAS QUE PEDIAM DETALHES DO PROCESSO ANTES DO FINAL
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CRONOLOGIA
2012
Em setembro, Dilma Rousseff indica Teori Zavascki, ministro do Superior Tribunal de Justiça, para o Supremo
2012
Teori chega ao Supremo Tribunal Federal em novembro, para a vaga deixada por Cezar Peluso
2014
Em março, é deflagrada a Operação Lava Jato
2014
No 1º semestre, Teori se torna relator da investigação que, depois, chegaria ao caso de corrupção e desvios na Petrobrás
2014
As primeiras delações premiadas homologadas foram de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, e do doleiro Alberto Youssef
2015
Em março, o ministro autoriza a abertura de inquérito para investigar 47 políticos suspeitos de participação no esquema investigado pela Lava Jato
2016
Em maio, o relator da Lava Jato determina o afastamento do então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato de deputado federal, atendendo a pedido da PGR feito em dezembro
2016
Em junho, Teori anula escutas telefônicas do ex-presidente Lula com Dilma Rousseff – diz que Sérgio Moro usurpou a competência do STF ao autorizar os grampos
2016
Em dezembro, Teori recebe em seu gabinete as 77 delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht. O relator se compromete a analisar o material durante o recesso para validar os acordos da empreiteira já na retomada do Ano Judiciário, em fevereiro de 2017