O Estado de São Paulo, n. 45020, 20/01/2017. Internacional, p. A12

Trump assume hoje comando dos EUA com estilo e planos que dividem o país

 

Cláudia Trevisan

 

Donald Trump chega à Casa Branca hoje como o mais impopular presidente eleito da história recente dos EUA e diante de um país fraturado. Enquanto centenas de milhares de seus seguidores estarão em Washington para celebrar sua posse, outros tomarão as ruas para protestar contra um governo que consideram uma ameaça a conquistas recentes e aos próprios princípios que sustentam a democracia americana.

Presidentes eleitos costumam usar o período anterior à posse para tentar curar as feridas abertas no combate eleitoral, com discursos e posições conciliatórias. Fiel a seu estilo, Trump ignorou a tradição e usou o Twitter e entrevistas para atacar adversários, demonizar a imprensa, intimidar empresas americanas e estrangeiras, criticar os serviços de inteligência dos EUA e menosprezar personalidades de Hollywood. Também alarmou aliados e insistiu nos elogios ao presidente russo, Vladimir Putin.

Muitos dos seguidores de Hillary Clinton veem Trump como um presidente ilegítimo, em razão da suspeita de interferência da Rússia nas eleições e do fato de ele ter perdido o voto popular por uma diferença de 2,9 milhões de votos – 48% dos eleitores optaram pela democrata, 2 pontos porcentuais a mais que os 46% que escolheram Trump. Ainda assim, ele saiu vitorioso no colégio eleitoral.

Derrotada em uma eleição em que era considerada a favorita, Hillary estará na posse de Trump hoje ao lado de seu marido, o ex-presidente Bill Clinton. A participação de adversários e ex-ocupantes da Casa Branca é uma tradição americana, vista como um gesto de respeito ao ritual de transição pacífica do poder.

A vitória de Trump foi acompanha do aumento da polarização política no país. Pesquisa do Pew Research Center divulgada ontem revelou que 86% dos americanos acreditam que o país está mais dividido hoje, um recorde desde 2004, quando a pergunta começou a ser feita pelo instituto. Quando Obama tomou posse, há oito ano, 46% dos entrevistados viam o país dividido.

O presidente eleito terá a chance de fazer gestos conciliatórios em seu discurso de posse, que deverá ser acompanhado pela TV por 40 milhões de pessoas. “Trump não teve uma transição tranquila. Seus tuítes, as histórias sobre a Rússia, o conflito de interesses com seus negócios, tudo isso prejudicou sua aprovação. Ele precisa de um discurso positivo para aumentar seu capital político, que será necessário para implementar sua agenda ambiciosa”, disse o cientista político Aaron Kall, professor da Universidade de Michigan e autor de livro sobre os discursos inaugurais de presidentes americanos nas últimas quatro décadas.

Pesquisas divulgadas nos últimos dias indicam que Trump assume a Casa Branca com aprovação de 40% da população, metade da registrada por Barack Obama oito anos atrás. Levantamento divulgado pelo Washington Post/ABC News na terça-feira mostrou que 53% dos entrevistados têm uma visão negativa de Trump, enquanto 61% disseram não ter confiança em sua capacidade de tomar decisões corretas para o futuro do país.

Entre 700 mil e 900 mil pessoas são esperadas para a posse. Outras milhares estarão nas ruas de Washington para protestar contra a retórica e as propostas deTrump. “Nosso objetivo é atrapalhar a posse. Isso não pode ser uma festa”, afirmou Liz Buttler, uma ativista ambiental que participou de protestos contra Bush em 2001 e 2004. Liz teme que Trump adote um estilo autoritário, com ameaças à liberdade de expressão e aumento do espaço para a corrupção.

“Trump foi escolhido pelo povo e é o nosso presidente”, disse Patricia Martinelli, eleitora de Trump que viajou de Las Vegas a Washington para assistir à posse. “Muita gente não gostou da vitória de Obama, mas não houve protestos.” O ambiente dos EUA na véspera da posse do primeiro presidente negro do país era de otimismo, o que se refletiu no público recorde de 1,8 milhão de espectadores em seu juramento em Washington.

O maior ato de rejeição a Trump acontecerá amanhã, quando 200 mil mulheres são esperadas na capital americana para uma marcha em defesa de seus direitos, entre os quais o acesso ao aborto legal.

Trump será o homem mais rico, mais velho e com menos experiência na vida pública a tomar posse como presidente dos Estados Unidos. Também será o primeiro com o nome Donald e o único com um currículo de três casamentos.

Contrariando todas as projeções, ele derrotou 16 adversários do Partido Republicano e venceu a eleição com um discurso nacionalista e populista, embalado por ataques ao livre-comércio e a promessa de recuperar empregos industriais destruídos pela globalização. A partir de hoje, ele terá o desafio de transformar em realidade o slogan que marcou sua campanha: Make America Great Again, um chamado a fazer os EUA grandes de novo.

 

PARA LEMBRAR

Nixon assumiu com protestos

No fim dos anos 60, no auge dos movimentos de contracultura, de luta por direitos civis e antiguerra, a posse de Richard Nixon foi palco de protestos de grupos de resistência, motivados principalmente pelo desejo de verem o fim da Guerra do Vietnã. Aquele 20 de janeiro ficou marcado como o dia no qual um dos primeiros movimentos organizados realizou manifestação ao mesmo tempo em que um presidente americano tomava posse. A marcha atraiu milhares a Washington, que caminharam pela Avenida Pensilvânia, em direção ao Capitólio. Ao passarem pelo Monumento a Washington, os manifestantes deram as mãos e dançaram ao redor do obelisco. Um grupo bem menor partiu para a violência e atirou pedaços de madeira e pedras contra a comitiva de Nixon durante o desfile oficial.