Desastre Supremo - Acidente aéreo mata Teori Zavascki 
Sérgio Roxo, Mariana Timoteo da Costa, Eduardo Bresciani e Vera Araújo 
20/01/2017
 
 
Queda de bimotor, que deixou outros quatro mortos, terá impacto direto na Lava-Jato. PF investiga

 

-PARATY, BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- Um desastre aéreo, no início da tarde de ontem, em Paraty, no litoral Sul do Rio, matou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, de 68 anos, relator da operação Lava-Jato no tribunal. Outras quatro pessoas também morreram no acidente com o bimotor que partiu de São Paulo. A tragédia terá impacto direto sobre o andamento das investigações que apuram o envolvimento de políticos com mandato, como deputados e senadores, além de ministros, no esquema de corrupção da Petrobras. A Aeronáutica e a Polícia Federal investigam a queda.

O bimotor de prefixo PR-SOM decolou do aeroporto Campo de Marte, em São Paulo, por volta das 13h, e tinha Paraty como destino. Antes das 14h, porém, a aeronave caiu no mar próximo a Ilha Rasa, em condições climáticas desfavoráveis e com pouquíssima visibilidade, de acordo com o relato de testemunhas. O aviso ao sistema de controle aéreo foi distribuído às 14h20. De acordo com a Aeronáutica, três corpos ainda estavam dentro do equipamento na noite de ontem. Outras duas pessoas estavam desaparecidas. As buscas forma interrompidas à noite para a chegada de peritos de Brasília.

— Ele (o avião) estava a mil metros da cabeceira da pista. Minha esposa chegou a dizer: esse avião vai cair! O avião estolou (perdeu sustentação) e caiu. Nós presenciamos a manobra e a queda. A visibilidade era zero. Ele (piloto) fez a curva muito inclinado. A gente teve a sensação de que ele iria cair. Ele forçou demais a manobra de retornar. Estava inclinado demais. Então, bateu com a asa direita no mar. A pancada levantou uma coluna da água de uns 50 metros — contou Lauro Koehler, que testemunhou a queda, a cerca de 200 metros da Ilha Rasa.

Filho de Teori, Francisco Zavascki confirmou a morte do pai em uma rede social no final da tarde. Também foram identificados Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, de 69 anos, dono do grupo Emiliano, proprietário do avião, e o piloto Osmar Rodrigues, de 56 anos. Viúvo desde 2013, o ministro do STF deixa três filhos.

TESTEMUNHA ACOMPANHOU DRAMA DE VÍTIMA

No final da tarde, a Aeronáutica enviou uma primeira equipe para iniciar a investigação, que ficará a cargo do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Não há prazo para a conclusão da apuração. Já a Polícia Federal e o Ministério Público Federal instauraram inquéritos para apontar a responsabilidade pelo acidente. Uma equipe de policiais federais, especialista nesse tipo de investigação, já foi deslocada até Paraty.

O empresário Elias Ramos Lima, que estava de bote próximo ao local do acidente, relatou o drama de uma das passageiras, que sobreviveu ao impacto no mar, mas morreu afogada:

— Eu caí na água com meu funcionário pra ajudar no resgate. E tinha uma moça viva, na parte de trás do avião. Vi só a mão dela, se mexendo, batendo na janela do avião e gritando muito. A gente tentou quebrar a janela. Mas não conseguimos. Aí a gente começou a fazer furo na fuselagem para passar com a mangueira de oxigênio, para prolongar mais, para gente poder ajudar. Mas só que, quando a gente conseguiu acesso com a mangueira de oxigênio dentro do avião, ela não respondeu mais. Estou fedendo a querosene até agora. Não fui em casa ainda. Estou todo queimado de querosene — descreveu o empresário.

O barqueiro Roberto Santos, que trabalhava na região, disse que o socorro se aproximou rapidamente.

— O bombeiro chegou a falar para ela não gritar para poupar fôlego. Mas não resistiu e acabou morrendo. É muita tristeza — disse Santos.

MERGULHADORES DO RIO JÁ ATUMA NAS BUSCAS

Mergulhadores do Corpo de Bombeiros da Barra da Tijuca estão no local. Aeronautas que conhecem a região de Paraty explicaram que a aterrissagem é difícil, porque o aeroporto de lá não é preparado para voos com instrumento. Neste caso, o pouso tem que ser visual, o que obriga o piloto a olhar para frente ao mesmo tempo que controla a altitude pelos aparelhos. Tal situação provoca uma “desorientação espacial”, pois o piloto perde a noção da linha do horizonte.

Apesar de a legislação não exigir a presença de um copiloto para este tipo de avião bimotor, ela poderia ter ajudado a evitar o desastre:

— É sabido que o aeroporto tem condições restritas para pousos, o que acaba exigindo do piloto mais cuidado nas manobras. Não estamos dizendo que foi a causa, mas é uma das hipóteses. O tempo não estava bom. o piloto pode não ter tido a noção do que era água e céu. É uma situação comum com mar, lagoa e em regiões com neve. O aeronauta pode se confundir. A presença do copiloto pode evitar isso — disse Rodrigo Spader, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, que acompanha as investigações.

Fabricado pela Hawker Beechcraft, o avião King Air C90GT é um dos mais vendidos da categoria turboélice, sendo descrito como versátil, por permitir pouso em vários tipos de pista. A aeronave PR-SOM tinha capacidade para sete passageiros e foi comprada pelo grupo do hotel Emiliano em outubro de 2015.

(*) Enviados especiais

OS DETALHES DO ACIDENTE

Uma passageira, ainda não identificada, foi vista com vida, dentro da aeronave, minutos após a queda. Ela pediu socorro, aos gritos, mas submergiu antes da chegada de equipes de resgate.

O globo, n. 30482, 20/01/2017. País, p. 3