Juiz à moda antiga, que seguia critérios técnicos e evitava o debate público 
Carolina Brígido e Chico Otavio 
20/01/2017
 
 
PERFIL - Teori Zavascki

Reservado, ministro era avesso a entrevistas, tinha poucos amigos e só deixava-se dominar pela paixão quando o Grêmio entrava em campo; na primeira grande causa, liberou a ‘carne de Chernobyl’ baseado em laudo, sem se preocupar com a polêmica

 

-BRASÍLIA E RIO- Criado em 1989, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, enfrentou seu primeiro caso polêmico em outubro do ano seguinte, quando uma apelação civil pediu a liberação para consumo humano de sete mil toneladas de carne importada pelo governo brasileiro à Comunidade Comum Europeia. O episódio, que ficou conhecido como “carne de Chernobyl”, porque a importação ocorreu cinco anos antes, quando a Europa foi abalada pela explosão da usina nuclear russa, causou uma ampla reação negativa no Brasil. Mas o relator do processo preferiu não dar ouvido às ruas e decidiu autorizar o consumo baseado em laudo técnico, que garantia não haver riscos de contaminação radioativa. Embora a votação tenha sido apertada, seis a cinco, Teori Zavascki saiu do julgamento vitorioso no primeiro caso importante sob sua relatoria.

Discreto, Teori seguiu a carreira nos tribunais adotando o mesmo estilo: decisões silenciosas que se baseavam estritamente no critério técnico, livres de qualquer tipo de influência externa. O ministro evitava, sempre que possível, o debate público. Reservava os momentos mais emotivos para os jogos do Grêmio, clube do coração e um dos poucos motivos para abandonar os assuntos judiciais. O futebol o tirava do sério. Ainda pequeno, quando estudava em colégio interno só para meninos em Chapecó (SC), deu ao próprio time de futebol o nome de Os Explosivos.

Paixões à parte, Teori sempre muito educado. Ele costumava entrar no STF sem dar declarações à imprensa, que se aglomerava aguardando qualquer tipo de informação do relator da LavaJato. Dava bom-dia, mas dizia que não podia fazer declarações — ao estilo dos juízes mais tradicionais. Às vezes, sorria. Com os amigos, também era discreto, mas sorria mais. Especialmente quando o assunto era o Grêmio. Em Porto Alegre, foi conselheiro do time e não escondia a paixão quando alguém tocava no assunto.

Os colegas do STF sempre o definiram como um técnico. Em 2014, em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico, Teori brincou com essa fama:

— Quando cheguei ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e também quando cheguei aqui (no STF), o que mais ouvi foi “o ministro Teori é um ministro muito técnico”. Até hoje não sei, sinceramente, se isso é um elogio ou uma crítica. Para mim, é apenas uma questão de semântica.

Aos 68 anos, Teori tinha hábitos comedidos. Morava sozinho em um amplo apartamento funcional em Brasília. A solidão veio depois da morte da mulher, a juíza federal Maria Helena Zavascki, em 2013. O ministro não era de sair à noite. Encontrava os amigos normalmente na casa deles, em jantares reservados. Entre os mais próximos, estavam os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Nessas ocasiões, gostava de lembrar, com empolgação, viagens ao exterior. Os três filhos de Teori, dois advogados e um médico, moram em Porto Alegre. Ele costumava ir à cidade nos fins de semana para visitá-los.

Depois que foi alçado a relator da Lava-Jato, em março de 2015, Teori ficou ainda mais discreto e avesso ao assédio da imprensa. Também ficou ainda mais inacessível, ladeado por um séquito de seguranças que garantiam sua proteção pessoal, já que ameaças eram comuns depois de decisões muito polêmicas. Ia direto para o gabinete, logo pela manhã. Saía de madrugada, se houvesse uma decisão muito complicada para ser tomada.

Teori não era somente o relator, mas também o guardião do processo. Tinha especial cuidado com a condução da Lava-Jato e costumava criticar vazamentos. Bateu de frente com o juiz Sérgio Moro, que conduz a LavaJato no Paraná, por ter divulgado áudios de conversas da então presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando o caso foi remetido ao STF, Teori deixou os áudios sob sigilo.

Era raro o ministro dar entrevista. Ironicamente, no último dia de funcionamento do STF antes do recesso, em 19 de dezembro do ano passado, Teori parou diante da insistência da imprensa e resolveu falar sobre a Lava-Jato. Reclamou dos vazamentos das delações da Odebrecht, que acabavam de chegar ao tribunal. Em tom melancólico, Teori aproveitou para reclamar do momento difícil que o Brasil passava, sem especificar em qual setor. Mas tinha esperança. Ele aproveitou para desabafar diante de uma pergunta sobre seu estado emocional:

— Meu estado emocional é que hoje é o último dia antes das festas de fim de ano. Foi um ano difícil, foi um ano muito difícil para o Brasil. Vamos esperar que as coisas melhorem.

Teori formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1972. Foi advogado do Banco Central entre 1976 e 1989. A partir de 1989, entrou para sempre na vida nos tribunais, quando tornou-se desembargador do TRF-4.

O globo, n. 30482, 20/01/2017. País, p. 6