Título: Quebra de protocolo e reverência ao marido
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Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2011, Mundo, p. 22

Ainda de luto, trajando um elegante vestido preto com renda, Cristina Kirchner tomou posse para o segundo mandato como presidente da Argentina. Altiva, ela rompeu o protocolo e, na hora do juramento, lembrou-se do marido, que morreu em 27 de outubro do ano passado. "Juro por Deus, pela pátria e pelos santos evangelhos desempenhar com lealdade e patriotismo o cargo de presidente da nação. (...) Se assim não o fizer, que Deus, a pátria e ele (Néstor Kirchner) exijam isso de mim." As referências à vida pessoal de Cristina não pararam por aí: a filha mais nova, Florencia, passou a faixa presidencial à mãe, e a cumprimentou com um afetuoso abraço.

O mesmo carinho não foi visto com o ex-vice-presidente Julio Cobos, que era, inicialmente, a pessoa indicada para ler o juramento. Responsável pela maior derrota política da presidente no Senado (relativa ao aumento de impostos para o setor agrícola), Cobos virou persona non grata entre os kirchneristas — agora cristinistas. Quando os dois se encontraram, durante a cerimônia de ontem, limitaram-se a um aperto de mão. A frieza, contudo, ficou restrita ao ex-vice. Cristina foi recebida por uma Assembleia Nacional lotada, inclusive, por muitos aliados de seu governo — boa parte deles jovens militantes do grupo La Cámpora.

Em seu discurso, a mandatária lamentou a ausência do marido. "Como todos podem imaginar, hoje não é um dia fácil para esta presidente, pois, apesar da alegria e do voto popular, falta algo e falta alguém", disse ela, emocionada. Em seguida, Cristina falou do sucesso de seu governo na punição dos crimes cometidos durante a ditadura militar argentina. A presidente comemorou que uma das jovens desaparecidas no período, a estudante Ana Tereza Diego, tenha sido homenageada pela União Astronômica Internacional, que deu a um asteroide o nome da adolescente. Cristina lembrou que a colega brasileira, Dilma Rousseff, também foi vítima da repressão miliar. "Hoje, Dilma ocupa o cargo de presidente em um dos países mais importantes do mundo, e essa jovem (Ana Diego) poderia estar aqui sentada no meu lugar."

O discurso sentimental ficou de lado quando a líder argentina começou a falar sobre a situação econômica do país. Considerado um dos maiores desafios dos próximos anos, a melhora da credibilidade internacional da Argentina deve ser um dos pilares do governo de Cristina, que prometeu valorizar as pequenas empresas e não sacrificar financeiramente a população. Além de mencionar Dilma, que estava presente na cerimônia, Cristina também aproveitou o discurso para desejar melhoras ao venezuelano Hugo Chávez, que se recupera de um câncer. A posse foi assistida ainda pelos presidentes da Bolívia, do Uruguai, do Chile, do Paraguai, da Guatemala e de Honduras. China, Estados Unidos e União Europeia, entre outros, enviaram representantes diplomáticos. (CV)