Prisão sem celas 
Aura Mazda 
17/01/2017
 
 
Há dois anos presos circulam livremente por cadeia onde 26 foram mortos em Natal

-NATAL- A rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Região Metropolitana de Natal, que deixou ao menos 26 mortos no fim de semana, tornou-se um símbolo do descontrole do sistema penitenciário brasileiro, palco de 142 mortes somente este ano. O motim revelou que a unidade prisional, a maior do Rio Grande do Norte, está sob comando dos presos há quase dois anos, quando as portas das celas foram quebradas e os detentos passaram a circular livremente dentro dos pavilhões. Isso impediu, ontem, que a Polícia Militar, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e agentes penitenciários do Grupo de Operações Especiais (GOE) retomassem o controle da unidade após 48 horas de rebelião. As forças de segurança foram barradas ao tentar entrar no presídio, mesmo com relatos de mais mortes a possibilidade de novos confrontos entre presos.

Na tentativa de responder à rebelião, o governo estadual pediu autorização ao Ministério da Justiça para usar agentes da Força Nacional dentro da penitenciária, o que deve acontecer hoje. Também foi pedido um helicóptero, além de reforço no contingente. Desde setembro de 2016, 116 militares da Força Nacional atuam na Região Metropolitana, segundo o portal “G1”.

O pedido será formalizado hoje, durante reunião entre o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. O governador anunciou, ainda, que pretende se encontrar com o presidente Michel Temer para tratar da crise no sistema penitenciário. Além das mortes, o estado registrou 126 fugas somente este ano. No fim de semana, o ministro da Justiça anunciou que autorizou a liberação de recursos federais para reforçar a segurança em Alcaçuz.

AGENTES RELATAM TENSÃO ENTRE PRESOS

Agentes penitenciários que estiveram em Alcaçuz relataram que a tensão entre os presos deixou o clima na unidade em estágio “crítico”. Segundo a presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Rio Grande do Norte, Vilma Batista, que trabalha na penitenciária, a prisão está dividida entre as duas facções criminosas. Apenas seis agentes tentam fazer a segurança entre os pavilhões.

— A cadeia está na mão dos presos. Está claro e evidente que mesmo que o governo diga o que tem o controle, isso não é o que está acontecendo — afirmou Vilma.

Embora o governo estadual tenha anunciado a retomada do presídio no domingo, os presos voltaram a ocupar os telhados da penitenciária durante a manhã de ontem. Do pavilhão 5, detentos ligados à facção Primeiro Comando da Capital (PCC) exigiram a permanência dos seis presos que teriam sido identificados como mandantes da chacina. Integrantes do Sindicato do RN, considerados rivais do PCC, também subiram ao teto do pavilhão 1. Munidos de paus e bandeiras, os detentos relataram, aos gritos, a existência de outras vítimas do massacre e fizeram juras de novas mortes. Segundo policiais e parentes de presos, detentos do pavilhão 3, até então considerado neutro, aderiram ao PCC após receberem ameaças.

As forças de segurança tentaram entrar na penitenciária por volta das 13h de ontem, mas se depararam com uma barricada montada por presos. Após cinco horas de negociação, foi acertada a transferências de cinco detentos, que deixaram Alcaçuz escoltados pela Polícia Rodoviária Federal. Eles serão ouvidos sobre a rebelião. Em troca, os militares tiveram que recuar e saíram do complexo penitenciário. O governo do Rio Grande do Norte explicou, em nota, que o objetivo da ação era retirar os cinco presos.

Ontem, outro presídio do Rio Grande do Norte registrou tumulto entre presos. Por volta das 3h, detentos do Presídio Provisório Raimundo Nonato, chamado de Cadeia Pública de Natal, se rebelaram em retaliação às mortes em Alcaçuz. Dessa vez, as autoridades penitenciárias conseguiram controlar a confusão. O presídio abriga 550 presos, mas a capacidade é para 166.

— Eles queriam quebrar os muros do presídios, mas conseguimos contornar a situação — contou o diretor da unidade, Alexsandro Coutinho.

A perda do controle do governo do Rio Grande do Norte nas penitenciárias teve início em março de 2015, quando foi presos de 16 unidades, além de um centro de recuperação de crianças e adolescentes em situação de risco, orquestraram uma quebradeira das carceragens. Nas ruas, ônibus foram queimados e bases policiais foram atacadas. Os detentos mostraram que, de dentro das prisões, impunham medo. Na ocasião, foi decretado estado de emergência no sistema prisional.

Desde então, as unidades prisionais permanecem destruídas e nenhuma vaga para presos no estado foi aberta. Obras de reparos foram realizadas depois que o governo recebeu R$ 7,3 milhões da União. Porém, uma nova rebelião, em outubro, tornou a destruir o interior da penitenciária de Alcaçuz, que hoje abriga cerca de 1.140 presos, o dobro de sua capacidade. Desde então, a unidade está sem celas. Os presos circulam livremente pelas galerias. Somente sete agentes atuam em esquema de plantão. O governo estadual planejava reformar Alcaçuz. Antes, porém, pretendia transferir parte dos detentos para a Cadeia Pública de Ceará-Mirim, que terá capacidade para 600 presos quando for concluída. A obra, no entanto, está atrasada e prometida para novembro.

O globo, n. 30479, 17/01/2017. País, p. 3