TSE começará hoje julgamento histórico

Paulo de Tarso Lyra

04/04/2017

 

 

TSE começará hoje julgamento histórico Tribunal analisa pela primeira vez a cassação de um presidente da República, por acusações de abuso de poder econômico no pleito de 2014, em sessão que se inicia às 9h. Prazo para a conclusão é incerto diante de possíveis pedidos de vistas

 

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inicia hoje o julgamento mais importante de sua história. Pela primeira vez, a corte eleitoral terá a missão de analisar um pedido de cassação de uma chapa presidencial eleita em 2014, tendo como vencedores a petista Dilma Rousseff e o peemedebista Michel Temer. Com base em um processo com mais de 6 mil páginas, condensado em um relatório de pouco mais de mil, o ministro Herman Benjamim pedirá a cassação da chapa.

Herman analisa a acusação de que a chapa PT-PMDB eleita em 2014 praticou abuso de poder político e econômico. O atual relator assumiu em agosto do ano passado no lugar da antecessora, Maria Thereza de Assis Moura, que terminou seu mandato no TSE sem concluir o processo. O caso vinha morno, com depoimentos ligados sobretudo às gráficas que prestaram serviços à chapa. Mas o relator incendiou o caso ao convocar para depor os delatores da Odebrecht, que estavam, até então, restritos às investigações da Operação Lava-Jato.

Com isso, o TSE deparou-se com a declaração de Marcelo Odebrecht, que confirmou ter doado R$ 150 milhões para a campanha presidencial de Dilma em 2014 — a maior parte desse montante por caixa 2. Como Temer se beneficiou da eleição, como vice, Herman pede que a dupla seja cassada.

O relator também ouviu outros ex-executivos da empreiteira, que confirmaram o esquema gigantesco de pagamento de propinas da construtora para financiar campanhas políticas e comprar, por exemplo, apoio de partidos como o PRB, PCdoB, PDT, Pros e PP.

Marcelo também afirmou, nos depoimentos, jamais ter tratado de financiamento ilegal com Temer, tampouco com Dilma. Mas insinuou que ela sabia das negociações, conduzidas, na maior partes das vezes, por ministros ou ex-ministros dos governos petistas, como Antonio Palocci e Guido Mantega. No caso do PMDB, o nome que aparece nas conversas é o do atual chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Oitivas
A inclusão das oitivas da Odebrecht abriu espaço para que a defesa de Dilma peça mais tempo para analisar o caso. O relator concedeu um prazo de duas sessões, mas o advogado Flávio Caetano quer que seja cumprido o regimento interno que prevê um prazo de cinco. “Queremos comparar com outros depoimentos para mostrar as incongruências”, defende Caetano.

A defesa de Temer também pretende prorrogar esse prazo, embora de maneira menos explícita que os petistas. Os peemedebistas insistirão, contudo, na tese, de separação das contas presidenciais. A alegação é a de que as irregularidades foram praticadas pelo PT, cabeça de chapa, e que o vice-presidente eleito não tinha conhecimento das irregularidades praticadas, portanto, não pode ser punido.

Além dos advogados do PT e do PMDB, também será ouvido o advogado do PSDB, José Eduardo Alckmin. Foram os tucanos que propuseram a ação, em dezembro de 2014. Na época, eles defendiam a impugnação da chapa e a nomeação do candidato que ficou em segundo lugar na disputa pelo Planalto, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), tendo como vice Aloysio Nunes Ferreira. Veio o impeachment, Dilma foi afastada pelo Congresso, o PSDB transformou-se em uma dos principais partidos de apoio ao governo Temer. Aécio é consultado com frequência para nomeações no primeiro escalão e Aloysio Nunes tornou-se ministro das Relações Exteriores. Desta forma, nas alegações finais, a legenda mudou de posição, responsabilizando o PT e inocentando o PMDB.

Existe também a expectativa de que um pedido de vista adie o epílogo do julgamento. O presidente do TSE, Gilmar Mendes, falou sobre o  tema ontem em São Paulo. Ao ser indagado, disse que não era possível dizer se haverá algum pedido, mas que, se houver, é improvável que os colegas fiquem muito tempo com  o processo sob análise.

Outros componentes, além dos jurídicos, devem ser levados em conta no processo, sobretudo a instabilidade política e econômica que poderia ocorrer caso Temer perca o mandato. Gilmar também falou sobre o assunto ontem, mas evitou ser  incisivo. “Não vou emitir juízo sobre isso. É um julgamento complexo e certamente o tribunal terá de fazer uma análise de toda ordem”, afirmou.

Para aliados do Planalto, é preciso levar em conta que a inflação e os juros estão em queda e que a economia dá sinais de retomada. Uma cassação da chapa mergulharia o país, novamente, em uma espiral de incertezas.
O resultado do julgamento poderá obrigar o Congresso a realizar eleição indireta para um mandato tampão para o chefe do Executivo federal até 31 de dezembro de 2018.

 

Planilha enviada
A defesa de Dilma Rousseff entregou ontem ao TSE planilha detalhando a contabilidade da chapa eleita em 2014 nas eleições presidenciais. Também encaminhou a prestação de contas, aprovada ainda em 2014 à Justiça Eleitoral, assinada em conjunto por ela, Michel Temer e Edinho Silva. A defesa de Dilma insiste que não é possível fazer o que querem o advogados de Temer: separar as contas da campanha. Isso livraria o presidente de punição caso a chapa venha a ser cassada pela maioria 
da corte.

 

 

Correio braziliense, n. 19670, 04/04/2017. Política, p. 2.