Planalto contra restrição ao Uber

06/04/2017

 

 

Caso o texto aprovado na Câmara seja mantido pelo Senado, governo estuda vetar pontos e liberar aplicativos de transporte individual. Pelas regras estabelecidas pelos deputados, o Estado precisa dar autorização para que empresas operem

 

 

Para especialistas, emendas apresentadas por deputados impõem aos serviços regras semelhantes às aplicadas aos táxis e limitam escolha do consumidor

Aplicativos de transporte individual, como Uber e similares, podem estar com os dias contados no Brasil. Projeto de lei aprovado na noite de terça-feira pela Câmara dos Deputados inviabiliza a oferta do serviço no país, segundo especialistas. O PLC 28/2017 recebeu 226 votos a favor e 182 contra e será, agora, apreciado pelo Senado. Se for ratificado, ainda dependerá, para entrar em vigor, da sanção do presidente Michel Temer, que pode vetar várias emendas apesentadas ao texto original que desagradaram o governo. Uma delas retira a condição de “natureza privada” dos serviços, exigindo que os motoristas tenham autorização do Estado para manter a atividade.

Temer, porém, espera que as regras restritivas sejam modificadas ou derrubadas pelos senadores da base aliada. No que depender do senador José Antônio Reguffe (sem partido-DF), relator de um projeto de lei que legaliza a Uber no Brasil, as emendas não serão aprovadas. “Meu lado é o do consumidor. Defendo a concorrência, pois ela tende a melhorar a qualidade do serviço e a proporcionar redução de preços. Sou contra as manobras dos deputados que impedem a liberdade de escolha”, afirmou.

Para Reguffe, as emendas aprovadas na Câmara submetem os aplicativos às mesmas regras dos táxis e são, na verdade, tentativas de inviabilizar o serviço. “Acho que eles devem ter regulamentação, pagar tributos e serem fiscalizados pelo governo, mas devem funcionar livremente. A concorrência é positiva para o consumidor”, defendeu Reguffe. Caso seja modificada no Senado, a proposta retornará à Câmara. Os deputados poderão reinserir as regras, que também podem ser vetadas, posteriormente, por Temer.

Para a Uber, o projeto “propõe uma lei retrógrada que não regula a atividade no Brasil, mas tenta transformá-la em táxi, proibindo esse modelo de mobilidade”. Em nota, a empresa disse esperar que, no Senado, o debate sobre a tecnologia continue para que “seja ouvida a voz de milhões de pessoas no Brasil que desejam ter seu direito de escolha assegurado”.

 

Retrocesso

De acordo com o especialista em direito público Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral, professor da Faculdade de Direito do IDP-SP, retirar dos aplicativos a condição de atividade privada equivale a dar a eles tratamento de concessão. “Essa emenda, indevida, aproxima as obrigações dos serviços de aplicativos aos de táxis. A Câmara poderia ter revisto o marco legal para o serviço, de maneira que não igualasse com algo que já existe”, comentou.

Durante sessão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a conselheira Cristiane Alkmin expressou “profunda indignação e repúdio ao texto aprovado”. Para ela, o projeto cria um “novo táxi”, em vez de garantir segurança para o usuário. “Se for para mudar as regras, que diminuam as amarras dos táxis, e não o contrário”, defendeu. Para ela, o texto representa um “retrocesso gigantesco” e traz “uma gritante perda de bem-estar social”. Para Cristiane, os serviços por aplicativos devem ter o mínimo possível de regulamentos. “Imploro ao Senado para que seja mais sensato e pense não no lobby dos taxistas, mas no bem estar da população”, disse.

O advogado Leonardo Coelho, sócio do escritório LL Advogados, acredita que seja o momento para iniciar uma discussão sobre a desburocratização das regras impostas aos taxistas, principais concorrentes da Uber e similares. “O projeto intervém mais do que o necessário. Deve  haver uma reflexão sobre essas questões e uma revisão da regulamentação dos táxis para que a livre iniciativa avance ainda mais, com base em mecanismos típicos do mercado”, considerou.

 

"Meu lado é o do consumidor. Defendo a concorrência, pois ela tende a melhorar a qualidade do serviço e a proporcionar redução de preços”

José Antônio Reguffe, senador (sem partido-DF)

 

"Se for para mudar as regras, que diminuam as amarras dos táxis, e não o contrário”

Cristiane Alkmin, conselheira do Cade

 

 

Correio braziliense, n. 19672, 06/04/2017. Política, p. 5.