Currículo único para o bê-á-bá

Renato Souza e Mirelle Bernardino

07/04/2017

 

 

Ministério da Educação divulga proposta de nova base para educação infantil e fundamental. Com as mudanças, o inglês passa a ser obrigatório, e conteúdos de identidade de gênero e ensino religioso saem da grade nacional

 

O Ministério da Educação apresentou a última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e o ensino fundamental. Esta é a terceira versão do projeto que traz mudanças no currículo de todo o país. Segundo o governo, é uma padronização de conteúdos usada pelos países desenvolvidos para manter a qualidade. As alterações, que devem atingir 190 mil escolas, precisam ser aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Após aprovação no conselho e homologação pelo ministro da Educação, as escolas estaduais e municipais terão o prazo de dois anos para promover as mudanças nos currículos. Entre as mudanças está a de que todas as crianças devem estar alfabetizadas no fim do segundo ano do ensino fundamental, aos sete anos. O prazo anterior era até a terceira série. Outra alteração é a obrigatoriedade do ensino de inglês.

O bombeiro Petronilio dos Santos, 45 anos, é pai de Miguel Simplício, de nove anos. O garoto está no terceiro ano e já mantém a disciplina nas tarefas. Petronilio vê como positiva as mudanças, mas ressalta que ainda são insuficientes para melhorar a qualidade. “A escola precisa de muitas mudanças para atingir a qualidade esperada. Antigamente havia matéria que ressaltava o respeito entre as pessoas. É importante que os pais também participem da vida escolar dos filhos”, argumentou.
O texto do projeto inclui as novas tecnologias nas escolas. Entre 10 competências que devem ser desenvolvidas nesta fase da educação, está a de “utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética”. O projeto, que foi criado após uma consulta pública pela internet e com participação de especialistas de 37 universidades, regulamenta o direito de aprendizagem e desenvolvimento para crianças e bebês com idades entre seis meses e seis anos.

Para a coordenadora do Le Petit Galois, Rosa Cavalcante, a reforma é um ganho para a alfabetização. “Toda intenção dela é que ele dê o mínimo de equidade aos alunos.” Já a especialista em alfabetização e professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Iesb, arli Assis destaca que a proposta é interessante para garantir às crianças desde cedo o contato da leitura e escrita. Contudo, ela não descarta o papel do governo com o ensino e aplicação do conteúdo. “A formação do professor precisa ser adequada, e não podemos tirar o papel da família nos auxiliando.”

Desigualdade
Dois assuntos estão fora do currículo do ensino fundamental, de acordo com o documento: o conteúdo sobre identidade de gênero e a disciplina de ensino religioso deixam de integrar a proposta de educação para crianças e adolescentes. De acordo com o MEC, a base curricular já defende o “respeito à pluralidade”. Já a educação religiosa deve ser regulamentada por estados e municípios.

A biomédica Tatyanna Souza, 38 anos, é mãe dos gêmeos Lorenzo Galante e Paola Galante, de três anos. Os filhos estudam em uma escola maternal no Cruzeiro. Para Tatyanna, as mudanças só vão funcionar na teoria. “Essa meta de alfabetização estipulada pelo governo não funciona na prática. Temos um país com grandes desigualdades sociais e ainda vemos uma grande diferença entre as escolas públicas e particulares. O governo cria regra que ele mesmo não poderá cumprir”, afirmou a profissional de saúde.


 

 

Correio braziliense, n. 19673, 07/04/2017. Brasil, p. 6.