A 'chuva' e os balões de ensaio

Catarina Alencastro

16/02/2017

 

 

O fenômeno de idas e vindas dos cotados para assumir o Ministério da Justiça é prática conhecida em Brasília. O ritual funciona com o lançamento de um nome, geralmente o preferido do presidente, e a observação de como é recebido do lado de fora do Palácio do Planalto. O candidato fica “na chuva” — conhecido jargão de Brasília — enquanto se examina a repercussão da possível escolha.

Desde a segunda-feira retrasada, com a indicação de Alexandre de Moraes para o STF, o Ministério da Justiça tornouse alvo do fenômeno. O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira foi o primeiro a surgir como potencial sucessor de Moraes. Um dos melhores amigos de Temer, Mariz foi jogado pelo próprio entorno do presidente na bolsa de apostas. Ficou quicando e depois saiu de cena, com a lembrança de seu posicionamento crítico sobre Lava-Jato.

Ontem, após o Planalto começar a construir uma engenhosa alteração na estrutura da pasta, o nome reapareceu para comandar uma secretaria responsável por Segurança Pública, sem ingerência sobre a Polícia Federal. O Planalto observa se ele resistirá à chuva.

Temer não inventou esse jogo. Mas, sem dúvida, é muito mais permeável à opinião pública do que sua antecessora Dilma Rousseff, cujo estilo combinava o excesso de sigilo nas tomadas de decisões e o centralismo. O peemedebista, por outro lado, contabiliza longa lista de recuos. A maioria em função da má repercussão de suas intenções.

A escolha de Moraes para o STF seguiu esse caminho. Durante dias o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Filho, parecia ser o preferido. Tratou-se apenas de um balão de ensaio, após o jurista ser criticado por posições conservadoras. Nesse caso, dizem pessoas próximas a Temer, pesou o pragmatismo do PMDB, e o presidente optou por botar “um dos seus”.

Esse pragmatismo foi escancarado pelo braço-direito de Temer, Eliseu Padilha, ao relatar numa palestra que Ricardo Barros foi escolhido ministro da Saúde porque o PP, seu partido, prometeu todos os votos da sigla na Câmara, em detrimento do médico Raul Cutait, cujo nome havia sido lançado pelo entorno de Temer como balão de ensaio. Mais um que não resistiu — por razões menos republicanas, é verdade.

O globo, n. 30509, 16/02/2017. País, p. 6