Quem paga a conta? 
Andréia Lopes
16/02/2017
 
 
O Espírito Santo nos últimos tempos ganhou uma projeção nacional e até internacional jamais experimentada. Com as contas em dia numa realidade de estados endividados, indicadores sociais positivos e o lançamento de projetos inovadores, como Escola Viva e Ocupação Social, deixou de ser um pontinho entre os gigantes do Sudeste e passou a ser visto como referência para o Brasil. O estado pequeno no tamanho se tornou gigante no exemplo.

Semana passada, entretanto, um problema gigantesco bateu à porta capixaba e ameaçou se espalhar pelo país. A greve dos policiais militares deixa um triste saldo de mais de uma centena de mortos e cenas de violência que rodaram o mundo. Mas ela também expõe um debate que não pode ser adiado e não surgiu aqui: a pressão de categorias corporativas para conseguir vantagens salariais. Chantagem, como bem definiu o governador Paulo Hartung.

Ceder à pressão de uma categoria que tem a arma na mão seria o caminho mais fácil. Mas não era o caminho ético e legal, assim como levanta outro questionamento importante: quem paga essa conta? O conjunto da sociedade, sem dúvida, com aumento de impostos.

O Espírito Santo tem quatro milhões de habitantes. Os PMs são dez mil profissionais. A renda média do capixaba é de R$ 1,9 mil. A remuneração inicial de um PM no Estado é de R$ 3.052. Ou seja: é uma remuneração 58% acima da média do capixaba.

O estado tem 254 mil desempregados. Os servidores públicos têm estabilidade, e o pagamento dos salários é feito em dia, sem parcelamentos. Um governo tem que trabalhar para o conjunto da sociedade. O servidor, pela importância que tem, deve ser valorizado, sem dúvida. Mas a maior valorização que se pode ter num cenário como o atual é o salário em dia e a garantia das promoções e progressões na carreira, como temos feito.

Fora a ilegalidade flagrante do movimento (aos policiais é vedado o direito de fazer greve), o estado, desde 2014, está no limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mesmo que quisesse, não poderia oferecer nenhum tipo de reajuste. A crise é nacional, mas seus efeitos sobre o Espírito Santo foram devastadores, provocados pelo desastre da Samarco, a seca que atingiu a agricultura e a queda do preço do petróleo (somos o segundo produtor nacional), só para citar alguns exemplos. O resultado disso é que a receita corrente líquida de 2016 caiu 6,45%.

O apoio das forças federais foi essencial para garantir, pouco a pouco, a retomada da normalidade e evitar que a crise se espalhasse pelo país. A posição lúcida e firme de nossas lideranças, também. O saldo de vidas perdidas por um protesto salarial é doloroso, mancha a história da PM. Cada crime precisa e será apurado. Mas, de novo, temos a chance de escrever uma nova história. O governo capixaba anunciou uma reestruturação da polícia. Punições criminais serão aplicadas àqueles que inflamaram o movimento. E o Espírito Santo vai mostrando que o caminho certo não necessariamente é o mais fácil.

O globo, n. 30509, 16/02/2017. Artigos, p. 17