Governo corre contra o tempo para recuperar dívidas antigas de até R$ 35 bi 
Mara Bergamaschi
16/02/2017
 
 
Prazo de prescrição para cobrar empresas, que era de 30 anos, foi reduzido para cinco anos

Especial para O GLOBO

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) montou uma força-tarefa para tentar recuperar uma fortuna, que varia entre R$ 16,6 bilhões e R$ 35 bilhões, em débitos com o FGTS que irão prescrever até novembro de 2019. Para tentar não perder essa receita bilionária, que é patrimônio do trabalhador e fonte de investimentos públicos, o governo precisará correr contra o tempo e organizar um verdadeiro mutirão de fiscalização contra grandes devedores e fraudadores do Fundo de Garantia.

Essa situação, dramática em um quadro de recessão econômica, arrasta-se desde novembro de 2014, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a lei em vigor que estabelecia prescrição de 30 anos, a partir da data em que foi descumprida a obrigação de recolhimento, para cobrança do FGTS. O STF reduziu o prazo para apenas cinco anos, criando uma regra de transição para débitos antigos que termina em 13 de novembro de 2019. Ou seja: o trabalhador e o governo têm hoje prazo de um sexto do que era antes para denunciar e buscar o FGTS sonegado. Ironicamente, a decisão desfavorável aos cofres públicos foi resultado de demanda de uma empresa cujo maior acionista é a União: o Banco do Brasil, que recorreu ao Supremo contra uma reclamação trabalhista.

FORÇA-TAREFA SÓ FOI CRIADA EM 2016

Segundo o ministério, estudos realizados pela Auditoria Fiscal do Trabalho demonstram que, em 2019, prescreverão pelo menos R$ 16,6 bilhões, referentes à inadimplência do Fundo. Esse valor tende a ser maior, podendo chegar a R$ 35 bilhões. Isso porque, explica o ministério, o estudo considerou apenas o período de 02/2001 a 08/2014. Os períodos de 11/1984 a 01/2001, e de 09/2014 a 11/2014, também alcançados pela nova regulamentação do STF, não entraram na soma. Além disso, o levantamento utilizou como base de cálculo de FGTS as massas salariais informadas pelos empregadores — o que pode não corresponder ao total efetivamente devido pelas empresas ao FGTS, por erro ou fraude.

Os R$ 35 bilhões se equiparam, por exemplo, ao que será injetado na economia com a liberação, nos próximos meses, do dinheiro das contas inativas do FGTS. Aproxima-se também do total reservado (R$ 40 bilhões) pelo Executivo para investimentos da administração direta no Orçamento de 2017. Mesmo o valor mínimo estimado, R$ 16,6 bilhões, é muito relevante: em 2016, os recursos públicos aplicados em obras de transporte, habitação, energia e saneamento no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) não ultrapassaram R$ 14 bilhões.

Apesar de pressionado pelas novas regras, só em 2016 o governo criou o projeto Fiscalização de Grandes Devedores do FGTS, previsto para se encerrar em 2019. Os alvos prioritários são exatamente os débitos de Fundo com risco prescricional. Um grupo de auditores-fiscais tem trabalhado no cruzamento de diversas bases de dados oficiais — como Rais, Caged, FGTS e seguro-desemprego — para identificar, multar e acionar na Justiça grandes devedores. Como resultado deste pente-fino, a fiscalização do Fundo recuperou em 2016 R$ 3,4 bilhões em créditos, contra R$ 2,2 bilhões em 2015.

Diretamente responsável pela fiscalização, a categoria dos auditores-fiscais do Trabalho considera a decisão de 2014 do STF um divisor de águas para o FGTS e classifica como descomunal o desafio de cobrar uma dívida de duas décadas em quatro anos — além de fazer o mesmo com as novas, que agora prescrevem num prazo bem mais rápido. A categoria defende que sejam preenchidos cerca de mil cargos vagos de auditores para que um mutirão eficiente possa ser feito nos próximos dois anos.

Em entrevista ao site do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o auditor do Trabalho Celso de Barros Filho, que atuou na área do FGTS por mais de uma década, sustenta que o novo prazo de prescrição reduz a sensação de risco para quem deve ao Fundo, aumenta a impunidade, favorece o mau pagador e desprestigia o emprego formal: “Agora o FGTS deveria mudar de nome, pois garante apenas o tempo não prescrito, ou seja, os últimos cinco anos trabalhados, e não mais os convencionais 30 anos de serviço”.

PUNIÇÃO POR ATRASO

Segundo a legislação do FGTS, todo empregador tem de depositar até o dia 7 de cada mês, em conta vinculada na Caixa, 8% da remuneração paga no mês anterior ao trabalhador. A empresa que atrasa o recolhimento paga correção monetária, juros de mora e multa. Já a que acumula dívida não obtém a certidão negativa de débitos trabalhistas, ficando impedida de realizar negócios bancários e imobiliários, participar de licitações e obter benefícios tributários e financeiros nas três esferas de governo.

O globo, n. 30509, 16/02/2017. Economia, p. 19