Lula em suspense

Paulo de Tarso Lyra e Julia Chaib

11/04/2017

 

 

O destino da candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva está nas mãos de Marcelo Odebrecht e João Santana. O depoimento prestado pelo executivo ontem ao juiz Sérgio Moro, confirmando o esquema de propina acertado com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, somado à delação premiada do marqueteiro e do depoimento que ele e a mulher, a empresária Mônica Moura, prestarão semana que vem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) podem frustrar as esperanças de um nome competitivo do PT ao Planalto em 2018.Em mais de duas horas de depoimento, Marcelo confirmou que Lula era de fato o “amigo” que constava nas planilhas da empreiteira. E que o ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil no governo Dilma Rousseff, era o italiano identificado nos relatórios de repasse de propinas da empresa, e que seria o principal interlocutor de Lula.Palocci foi mencionado em planilhas apreendidas pela força-tarefa da Lava-Jato que demonstravam o pagamento de R$ 128 milhões em vantagens indevidas. Parte desses recursos seria destinada à construção de uma nova sede para o Instituto Lula. Marcelo também afirmou a Moro que o sucessor de Palocci na Fazenda, Guido Mantega, era o “pós-Itália”, também responsável por arrecadar dinheiro para as campanhas do PT. As defesas dos dois ex-ministros negam as acusações
O empreiteiro buscou detalhar a Moro as planilhas elaboradas pelo Setor de Operações Estruturadas da empresa, que organizava o esquema de propinas, e reiterou falas já ditas ao TSE e à PGR.  Marcelo relatou o repasse de R$ 13 milhões em espécie ao ex-presidente, por meio do assessor de Palocci, Branislav Kontic, identificado como “Programa B” nos relatórios.
Marcelo também detalhou o repasse de R$ 4 milhões ao Instituto Lula, e o montante de R$ 12,4 milhões, que teriam sido usados para comprar o prédio do instituto. Falou ainda sobre os mais de R$ 50 milhões em propinas repassadas ao ex-ministro Guido Mantega para aplicar na campanha de Dilma.
A íntegra do depoimento de Marcelo Odebrecht foi mantida em sigilo, mas trechos vazaram, o que provocou, por diversas vezes, interrupção da audiência pelo juiz Sérgio Moro. Na ata consta, inclusive, que para tentar detectar a origem dos vazamentos, todos os presentes tiveram de apresentar os celulares.

Testemunha

Os próximos dias serão tensos na seara petista. O estrago de Marcelo já estava mais ou menos contabilizado, mas os danos provocados pela delação premiada do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura ainda não foram mensurados. A convocação do casal como testemunha no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — o pedido foi feito pelo vice-procurador-geral eleitoral, Nicolau Dino, pegou a defesa da ex-presidente Dilma de surpresa.
A interlocutores que o visitaram no Paraná, o ex-ministro José Dirceu disse que, a depender do que falará João Santana, Dilma e Lula podem até ser presos. Outro temor é pelo risco de uma delação premiada de algum petista preso. Há duas semanas, especulou-se que Palocci poderia abrir a boca. “Petista que resolver delatar é um f.d.p. Se tiver agido corretamente, não precisa delatar. Se fez algo errado, que pague pelo erro. Dez anos na cadeia passam rapidinho”, alertou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), próximo a Lula.
Dino pediu a convocação após saber que João e Mônica tinham fechado um acordo de delação premiada com a Justiça, notícia que caiu como uma bomba no PT. O medo é de que eles repitam o que fez Duda Mendonça em 2005, quando, no auge do mensalão, atirou a nau petista às pedras para tentar se salvar em um bote próprio. Deu certo e ele foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal.
Na próxima semana, no dia seguinte ao depoimento que prestarão no âmbito da ação no TSE, a empresária Mônica Moura e o marido, o marqueteiro João Santana, vão depor ao juiz Sergio Moro. No mesmo dia falará Branislav Kontic, um dos assistentes de Palocci. Já o próprio Palocci será interrogado no dia 20. Considerados operadores de propina, os ex-funcionários da empresa Olívio Rodrigues Júnior e Marcelo Rodrigues serão ouvidos no mesmo dia do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

"Petista que resolver delatar é um f.d.p. Se tiver agido corretamente, não precisa delatar. Se fez algo errado, que pague pelo erro. Dez anos na cadeia passam rapidinho”
Devanir Ribeiro (PT-SP), deputado federal

 

Petista nega as acusações

Alvo dos depoimentos de Marcelo Odebrecht, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nega categoricamente as afirmações de que teria sido beneficiado com dinheiro de propina desviado da Petrobras. O petista alega perseguição por parte dos depoentes. Em nota, o Instituto Lula afirmou: “O ex-presidente Lula teve seus sigilos fiscais e telefônicos quebrados, sua residência e de seus familiares sofreram busca e apreensão há mais de um ano, mais de 100 testemunhas foram ouvidas em processos e não foi encontrado nenhum recurso indevido para o ex-presidente.”
A assessoria do ex-presidente também afirmou que jamais solicitou qualquer recurso indevido para a Odebrecht ou qualquer outra empresa para qualquer fim e isso será provado na Justiça”. E negou ter conhecimento do codinome amigo. “Eles vão tentar de tudo. Agora, o caminho para tentar nos pegar é o Marcelo e o João”, reclamou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), um dos parlamentares mais próximos do ex-presidente Lula. “Como eles estão com dificuldades para provar a história do sítio e do tríplex, estão mudando a estratégia”, acrescentou o parlamentar.
Além do depoimento de Odebrecht, Lula deverá ser citado nos depoimentos do marqueteiro João Santana e da mulher Mônica Moura, no próximo dia 17, no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, no âmbito da ação de cassação da chapa eleita em 2014, no TSE. Ambos foram alvo da 23ª fase da Operação Lava-Jato e admitiram que receberam US$ 4,5 milhões da Petrobras via caixa dois na campanha de Dilma em 2010.Apesar de se aterem à campanha de Dilma, Santana atuou na disputa de  Lula pela reeleição (2006) e pode revelar irregularidades. O casal foi condenado em fevereiro pelo juiz federal Sergio Moro por lavagem de dinheiro, mas absolvidos do crime de corrupção. (JC)

 

 

Análise da notícia

Um jogo de gato e rato

Lula, o PT e a Justiça Federal estão em uma caçada de gato e rato. No início de maio, o petista prestará depoimento ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, e os petistas estão marcando um grande ato político para pressionar o magistrado. É uma maneira de estabelecer um contraponto ao comandante em chefe da Lava-Jato, eleito como inimigo preferencial por Lula e pela ex-presidente Dilma Rousseff.
Convém não exagerar. Embora a condenação pela suposta compra do tríplex no Guarujá e do sítio de Atibaia pareçam mais remotas, o depoimento de João Santana pode arrastar Lula para a prisão ou, o que é mais provável, para a inelegibilidade pelas regras da ficha limpa. José Dirceu, que não é bobo, sabe tudo de campanhas petistas e conhece Lula como poucos, já alertou isso. É bom dar-lhe ouvidos.
Há duas semanas, o Correio publicou que o PT queria confirmar a pré-candidatura de Lula ao Planalto no Congresso Nacional do partido, marcado para junho. Seria uma atitude política com a intenção de afirmar que “interditar um pré-candidato ao Planalto seria um atentado à democracia”.
Foram chamados à razão pelos advogados, que consideraram o gesto uma afronta arriscada e desnecessária. Se Lula estava animado com as últimas manifestações públicas de apoio a ele e a defesa considera que não há razões, pelo menos por enquanto, que justifiquem a condenação, não existe qualquer necessidade de se criar marolas neste momento, lembram interlocutores. Até mesmo porque, o país ainda não se recuperou da última marolinha — a econômica — citada por Lula em 2008. (PTL e JC)

 

 

 

Correio braziliense, n. 19677, 11/04/2017. Política, p. 2.