Propina no lugar de escolas e hospitais

Matheus Teixeira, Julia Chaib e Rodolfo Costa

16/04/2017

 

 

Com apenas parte dos recursos entregues pela Odebrecht a políticos, seria possível comprar mais de três mil ambulâncias, construir duas mil unidades de saúde e criar pelo menos 136 mil vagas para alunos em creches públicas

 

 

Apenas parte dos valores movimentados no esquema de corrupção dos três últimos governos, revelado por delações de executivos da empreiteira Odebrecht, poderia ter servido para custear obras fundamentais para o país. Levantamento do Correio, com base em inquéritos abertos pelo relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, e outros processos remetidos a instâncias inferiores, o esquema de corrupção da empreiteira pagou pelo menos R$ 450 milhões a políticos em forma de caixa 2 ou propinas. Com esse valor, seria possível, por baixo, custear 130 mil vagas em creches ou abrir 394 Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), por exemplo.

O esquema de corrupção ia desde a aprovação de leis no Congresso em benefício da empreiteira a fraudes em processos licitatórios. Em um cálculo entre os 98 investigados na Suprema Corte, a propina per capita equivale a R$ 2,96 milhões. Com esse recurso, cada autoridade investigada poderia construir 15 Unidades Básicas de Saúde (UBS). O comparativo foi feito com base em obras consideradas estruturais e que acabam servindo de vitrine para diversos políticos. Em novembro do ano passado, por exemplo, o presidente Michel Temer anunciou a intenção de retomar 1,6 mil obras que estão paradas pelo país, entre elas UPAs, UBS e creches. Para isso, prometeu o repasse de R$ 2,073 bilhões, sendo que grande parte das construções tem o valor orçado entre R$ 500 mil e R$ 10 milhões.

 

Cobrança

Em vídeo divulgado pelo STF, Emílio Odebrecht é cobrado pelo promotor de Justiça Sérgio Bruno Cabral Fernandes, do Ministério Público do DF, que destacou a relevância dos valores desviados pela empresa. Ao se irritar com a forma como Emílio falou com naturalidade sobre a movimentação de R$ 300 milhões em campanhas eleitorais, durante seis anos, o promotor lembrou: “São 300 milhões que foram gastos sei lá com o que, seja com campanha, com santinho, com tempo de televisão, com marqueteiro. Que podia ter sido construído escola, hospital e todo esse Brasil que o senhor sonha e quer viver. Esse dinheiro poderia estar lá”, disse Sérgio Bruno. “Então vamos agora deixar de historinha, de conto de fada, e falar as coisas como elas são. Está na hora da gente dizer a verdade, de como a coisa suja é feita. Não é possível que um ministro da Fazenda fique pedindo todo mês a um empresário. Isso não é admissível.”Para além do levantamento financeiro com base nos inquéritos de Fachin, um dos delatores da Odebrecht, o executivo Hilberto Mascarenhas, entregou à Operação Lava-Jato uma tabela com o valor total movimentado pelo Setor de Operação Estruturadas, o departamento que controlava a distribuição de propina da empreiteira. Segundo o relatório, somente entre 2006 e 2014, foram girados aproximadamente US$ 3,37 bilhões, equivalente a R$ 10,6 bilhões. Pelo menos 15 partidos foram beneficiados, entre eles, os que receberam os maiores aportes de recursos foram o PT, o PMDB, o PSDB. As campanhas de 2010 e 2014 da presidente cassada Dilma Rousseff teriam sido beneficiadas com um repasse total de R$ 150 milhões em troca da edição de medidas provisórias, por exemplo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também editou medidas de governo para beneficiar a Odebrecht em troca de repasses para campanhas do PT. Em muitos depoimentos, são relatadas as articulações dos ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci para assegurar os repasses.

Os valores negociados pelos delatores da Odebrecht variavam de acordo com os trabalhos realizados por cada político. As investigações pairam sobre oito atuais ministros do governo: o titular da Casa Civil, Eliseu Padilha, o titular da Secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco; das Cidades, Bruno Araújo; da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab; da Indústria, Marco Pereira; das Relações Exteriores, Aloysio Nunes; da Integração Nacional, Helder Barbalho; e da Agricultura e Pecuária, Blairo Maggi. Todos negam as acusações.

 

Deficit

Dos oito ministros envolvidos no esquema, o campeão em recebimento de propina é Gilberto Kassab, quando era prefeito de São Paulo. O presidente do PSD responde a dois inquéritos e teria ganho mais de R$ 20 milhões da empreiteira. Com o montante recebido, Kassab poderia comprar 142 ambulâncias. “Segundo o Ministério Público, narram os colaboradores que, no período entre os anos de 2008 a 2014, o referido ministro teria recebido, a pretexto da obtenção de vantagens pela sua condição de prefeito de São Paulo e, após, de Ministro das Cidades”, escreveu Fachin. Somente na cidade de São Paulo, por exemplo, existe um deficit da criação de 66 mil novas matrículas de crianças de 0 a 3 anos para universalizar o acesso acreches, por exemplo.Mesmo entre os políticos que receberam um montante considerado ínfimo diante dos demais, a propina poderia custear a abertura de UPAs e UBS. É o caso do deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política em curso na Câmara dos Deputados, que quase apresentou o projeto de anistia ao caixa 2 no relatório.

 

 

Correio braziliense, n. 19682, 16/04/2017. Política, p. 2.