Macri e Temer buscam Mercosul forte 
Catarina Alencastro, Danilo Fariello e Júnia Gama 
08/02/2017
 
 
Brasil e Argentina discutem formas de ocupar espaço deixado por protecionismo dos EUA

Colaboraram André de Souza e Eduardo Barretto

-BRASÍLIA- A visita de Estado do presidente argentino a Brasília, ontem, ratificou a afinidade de visões políticas de Mauricio Macri e Michel Temer, mas não resultou em medidas concretas significativas. A tônica principal dos discursos — mais até do argentino que do brasileiro — foi o fortalecimento do Mercosul, interna e externamente. Neste último campo, o foco principal é a aproximação com os países da Aliança do Pacífico, notadamente o México, além do avanço do acordo com a União Europeia (UE).

O clima político não só aproxima Macri e Temer, como favorece a atração dos demais vizinhos da América Latina junto ao Mercosul. Os presidentes estão de olho, por exemplo, no afastamento do México e dos países da Aliança do Pacífico (composta também por Chile, Colômbia e Peru) em relação aos Estados Unidos, após a posse de Donald Trump. — No momento em que ganha força a tendência de desunião, isolamento e protecionismo, Argentina e Brasil respondem com mais aproximação, mais diálogo e mais comércio. Respondem, sobretudo, com uma só voz: a liderança agregadora é motivo de admiração — discursou Temer, durante brinde realizado no Palácio do Itamaraty.

— Há vários países interessados em ampliar suas relações conosco. Claramente, essa mudança de cenário faz com que o México olhe para o Sul com mais decisão — afirmou Macri.

No campo econômico, apesar das rusgas frequentes entre os vizinhos em setores específicos da indústria — a disputa mais recente envolve a compra de autopeças pela Argentina, tema que ficou para ser definido apenas em abril —, o governo brasileiro quer acelerar acordos para além do que prevê a relação entre parceiros do Mercosul.

— O fato novo é que os dois governos resolveram, de fato, recuperar o tempo perdido e avançar em uma série de temas comuns aos dois países. No caso da Fazenda, estamos discutindo a revisão da convenção para evitar a bitributação, que data já de muito tempo e está desatualizada. Ambos concordamos que é necessário mudar, e está avançando muito bem — afirmou Henrique Meirelles, ministro da Fazenda.

FOCO NAS BARREIRAS SANITÁRIAS

De acordo com Meirelles, foi discutida ainda a inclusão, em um acordo, do tratado internacional para evitar a erosão da base tributária. Outro assunto debatido entre as autoridades foi o tratamento igualitário da tributação de pessoas físicas brasileiras na Argentina.

Segundo nota do Itamaraty, os dois presidentes assinaram uma carta dirigida ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pedindo a realização de estudos sobre viabilidade de criação de uma agência para a convergência regulatória de Brasil e Argentina. Essa agência bilateral trataria da derrubada de barreiras não tarifárias no comércio entre os países. Como no Mercosul não há barreiras tarifárias no comércio exterior entre os países, as disputas ocorrem em temas de outra natureza, como margens de preferência ou restrições fitossanitárias.

— A agência única para fixar padrões sanitários, fitossanitários e técnicos é um avanço enorme. A cooperação entre os consulados, o visto único para turistas, a integração de fronteiras que lutam contra o narcotráfico, são todas áreas de desenvolvimento muito importantes — disse Macri.

REUNIÃO COM MINISTROS DO STF

Essa agenda bilateral poderia, posteriormente, ser replicada a outros países, segundo fontes a par da discussão. Macri usou o tema para tratar os países como sócios, e o presidente brasileiro ressaltou não haver tabus entre os dois países.

— Temos que aproveitar a convergência entre nossos países em favor de brasileiros e argentinos. Ficou claríssimo que não há tabus nas relações entre Brasil e Argentina. Não há temas que não possam ser tratados e encaminhados. Neste encontro, buscamos resultados concretos — afirmou Temer.

Na visão do governo brasileiro, há uma clara convergência de posições e atitudes entre os presidentes Temer e Macri, o que torna oportuna a aproximação dos dois neste momento. Se de manhã Macri foi recebido no Palácio do Planalto, à tarde foi a vez de se reunir com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Em seguida, ele foi recebido pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia.

Todos os ministros do STF, à exceção de Celso de Mello, receberam Macri em sua visita ao tribunal. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também estava presente. No fim, Cármen Lúcia presenteou Macri com um exemplar da Constituição brasileira. O ministro Ricardo Lewandowski pregou uma maior harmonização das normas entre os países do Mercosul, nos moldes do que ocorre na UE:

— Creio que uma aproximação do sistema europeu é desejável para nossa integração.

“Ficou claríssimo que não há tabus nas relações entre Brasil e Argentina”

Michel Temer

Presidente da República

O globo, n. 30501, 08/02/2017. Economia, p. 22