Trilha política rumo ao auge da carreira jurídica
Silvia Amorim e Eduardo Bresciani 
07/02/2017
 
 
Atual ministro da Justiça avaliava que integrar o governo de Michel Temer o aproximaria do sonho de integrar a mais alta Corte do país

Em tese de doutorado, defendeu que detentor de cargo de confiança no Executivo não fosse para o STF

Autor de um livro best-seller na área de Direito Constitucional, foi na política que Alexandre de Moraes construiu a trilha que o leva ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele sempre calculou que integrar a equipe do presidente Michel Temer, também jurista e político, o aproximaria de seu maior sonho. Mas nunca imaginou que o plano se concretizaria tão rapidamente, menos de nove meses após chegar ao governo federal na pasta da Justiça. Por ter 48 anos, terá a possibilidade de passar até 27 anos na Corte, seguindo a regra atual que impõe a aposentadoria compulsória aos 75 anos. Ele substituirá Teori Zavascki, morto no mês passado em um acidente aéreo em Paraty (RJ).

Enquanto seu saber jurídico é descrito por muitos como “notório”, atendendo ao que exige a Constituição para ministros do Supremo, sua atuação na política e a lista de clientes defendidos quando advogado alimentam questionamentos à sua indicação. Moraes já defendeu o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha no STF, representou em processos uma cooperativa investigada por elo com o PCC, foi acusado de vazar uma fase da Lava-Jato já como ministro da Justiça, entre outras polêmicas.

Moraes ingressou no meio jurídico como promotor de Justiça em São Paulo, em 1991, aos 23 anos. Professor de cursinho para concursos, escreveu em 1997 o seu best-seller “Direito Constitucional”, que já está na 33ª edição e é adotado em universidades. Concluiu em 2000 seu doutorado em Direito do Estado na Universidade de São Paulo (USP), e em sua tese defendeu que quem exerce cargo de confiança no Poder Executivo, como é seu caso agora, não deveria ocupar um assento no STF para diminuir a possibilidade da utilização dos cargos do tribunal como “instrumento de política partidária”: “De maneira a evitarem-se demonstrações de gratidão política ou compromissos que interfiram na independência de nossa Corte”, escreveu o atual ministro.

Em 2003, Moraes tentou assumir uma cadeira de professor titular na Faculdade de Direito, mas perdeu a indicação para o hoje ministro do Supremo Ricardo Lewandowski. Ele leciona na universidade como professor livredocente.

Em tese de doutorado, defendeu que detentor de cargo de confiança no Executivo não fosse para o STF.

Em 2002, abandonou a carreira no Ministério Público para assumir um cargo no governo paulista. Tornou-se secretário de Justiça do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Moraes já foi filiado ao DEM e ao PMDB e atualmente está no PSDB.

Depois de ocupar a pasta da Justiça paulista, tornou-se o homem forte da gestão de Gilberto Kassab (PSD) na prefeitura de São Paulo, então adversário de Alckmin. Nessa época (2007 a 2010), Kassab se referia a Moraes como “a cabeça mais brilhante da prefeitura”, em brincadeira com o cabelo raspado de Moraes. Mas o reinado do supersecretário não durou, e desentendimentos com o prefeito o levaram a mudar mais uma vez de rumo.

Nos anos seguintes, dividiu seu tempo entre o escritório de advocacia em São Paulo e a direção do DEM. Reaproximou-se de Alckmin e voltou para o governo estadual, em 2015, assumindo a Secretaria de Segurança Pública. Aos poucos, tornou-se homem de confiança do governador.

Apesar de sua nomeação para o ministério de Temer em maio passado ter sido atribuída a Alckmin, pessoas próximas do ministro contam que toda a movimentação para ocupar a Esplanada partiu de Moraes. Quando da sua indicação, pesou a satisfação do presidente com a solução rápida que Moraes deu ao caso de um hacker que invadiu o telefone celular da primeiradama, Marcela Temer.

A aproximação dele com Temer deu-se durante sua passagem pelo PMDB. O então vice-presidente costumava ligar para o celular do colega de partido. Moraes costumava interromper reuniões e entrevistas para atender o dirigente do PMDB com a saudação “Fala, presidente”. Na época, Temer comandava o PMDB nacional.

O ministro é reservado sobre a vida pessoal. Pai de três filhos, mora com a mulher num apartamento em um dos bairros mais chiques de São Paulo, o Jardim Europa. É vaidoso e pratica atividades físicas. Como gestor, tem fama de centralizador e de buscar holofotes.

Moraes assumiu a Esplanada afirmando que a “LavaJato é prioridade” e que daria “todo o apoio” à Polícia Federal e ao Ministério Público. Por duas ocasiões, esteve na berlinda em sua passagem pelo ministério. A última delas foi no enfrentamento da crise penitenciária nos estados no mês passado. A primeira foi em setembro quando antecipou que haveria uma nova operação da LavaJato. Um dia depois da declaração, que pegou muito mal para Moraes, o ex-ministro Antonio Palocci foi preso.

Ontem, Moraes foi flagrado numa solenidade trocando mensagens com a mulher Viviane, nas quais falava de sua nomeação antes do anúncio oficial pelo Planalto:

“Presidente indicará meu nome para a vaga do STF. Se Deus quiser, em pouco tempo (após a sabatina no Senado [serei ministro]...”, dizia num trecho registrado pelos fotógrafos.

O globo, n. 30500, 07/02/2017. País, p. 4