O Estado de São Paulo, n. 45008, 08/01/2017. Política, p. A4
Reforma política não inibe criação de partidos
 
Mariana Diegas
Valmar Hupsel Filho

 

No último dia útil de 2016, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou o 50.º pedido para criar uma agremiação política no Brasil, o Partido Democrático dos Servidores Públicos (PDSP). Além desta, outras 49 aguardam análise da corte para saber se poderão participar de disputas e ter acesso a um quinhão do Fundo Partidário, mesmo após o Senado aprovar medida que restringe os direitos de siglas que não atingirem patamar mínimo de votos.

O Estado procurou representantes de todas essas siglas e, dos 25 que responderam, indicaram que a chamada cláusula de barreira não vai inibir que iniciativas como a dos entusiastas do PDSP continuem a prosperar no País. A maior parte dos postulantes afirma não temer as implicações da nova regra e nenhum deles pretende desistir do pedido no TSE.

“Essa barreira não nos atinge”, afirma José Eloy da Silva, presidente do Partido da Mobilização Popular (PMP). “Os partidos podem até diminuir, mas não vão acabar”, diz.

A cláusula de barreira, aprovada na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma política, determina que cada sigla obtenha, no mínimo, 2% dos votos válidos no País para ter direito à verba do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda em rádio e TV. A meta deve ser alcançada em pelo menos 14 Estados e, a partir de 2022, o porcentual aumenta para 3%. Para valer em 2018, porém, a proposta ainda precisa passar pela Câmara, que nem sequer começou a discuti-la.

Para Andréa Freitas, cientista política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o número considerado excessivo de partidos se deve a erros do próprio TSE, que em 2012 permitiu que o recém-criado PSD tivesse acesso a uma fatia maior do Fundo Partidário.

“Depois da explosão de partidos em 2012 ou 2013, é muito necessário que a gente limite o acesso de dinheiro a quem não tem representação. Partido virou uma máquina. Você cria partidos para fazer negócio, quando deveria ser criado se o sujeito olha para a política e vê falta de representação”, afirma.

‘Brecha’. Um dos pontos da PEC usado como argumento para que siglas continuem a se proliferar no País é a criação das federações de partidos, que substituiriam as atuais coligações. Com isso, legendas que não atingirem o mínimo de votos podem se unir e ter funcionamento parlamentar como um bloco. Assim, também têm acesso a recursos do Fundo Partidário.

“A dificuldade não vai nos parar. Estamos prontos para aproveitar todas as brechas do sistema para conseguir criar e implementar o partido”, afirma César Augusto Alves de Lima, presidente do Partido Universal do Meio Ambiente (Puma), outra das agremiações na fila do TSE.

A ideia, porém, não agrada a todos os partidos em formação. “Não vamos nos unir a ninguém”, diz Capitão Augusto, idealizador do Partido Militar Brasileiro (PMBR). Esta e outras legendas, como Renovar (RNV), Partido de Organização Democrática dos Estudantes (Pode) e Partido do Esporte (PE) se consideram “ideológicas”.

Na avaliação de José Paulo Martins Júnior, coordenador do curso de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), se vier a ser aprovada na Câmara, a PEC não vai impedir a criação de novos partidos, mas dificultar a consolidação deles.

“Com fraco desempenho eleitoral, não terão acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda eleitoral”, diz Martins Júnior.

“Essa medida tende a ser benéfica para os governos, pois vai diminuir os custos para compor uma coalizão governamental, e para os eleitores, uma vez que as distinções entre os partidos tendem a se tornar mais nítidas.” Divisão. A maior parte do dinheiro do fundo (95%), que é alimentado com recursos da União, é dividido de acordo com a representatividade da legenda na Câmara. No ano passado, por exemplo, o PT recebeu a maior fatia (R$ 98 milhões), pois foi o partido que mais elegeu deputados na disputa de 2014.

Os outros 5% são divididos igualmente entre todas as legendas com registro. Assim, mesmo sem eleger parlamentares, o Partido da Mulher Brasileira (PMB) e o Partido Novo receberam R$ 1 milhão cada em 2016.

Outro fator relacionado ao grande número de pedidos para criar partidos é o aumento do valor do fundo. No mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu doações empresariais a campanhas, os repasses para financiar as legendas cresceram 138%. Em 2015, o valor chegou a R$ 867 milhões. No ano anterior, haviam sido repassados R$ 308 milhões. / COLABORARAM GILBERTO AMENDOLA e PEDRO VENCESLAU

 

RECURSOS

A divisão do Fundo Partidário e como funciona a cláusula de barreira

Composição do fundo

5% divididos em partes iguais entre todos os partidos com registro no TSE

95% divididos de forma proporcional, de acordo com o número de cadeiras do partido na Câmara dos Deputados

 

 

Cláusula de barreira

Para ter acesso ao Fundo Partidário e ter direito a tempo de propagada em TV e rádio os partidos precisam atingir, no mímino:

2% dos votos válidos do País nas eleições para a Câmara dos Deputados

2% dos votos válidos em ao menos 14 Estados do País

 

‘Negócio’

“Partido virou uma máquina. Você cria partidos para fazer negócio, quando deveria ser criado por falta de representação.”

Andréa Freitas

CIENTISTA POLÍTICA DA UNICAMP

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5 Perguntas para...

 

Ricardo Ferraço

 

1. Existem hoje 50 pedidos de criação de partidos esperando um parecer do TSE. Pelo jeito o projeto de reforma política não intimidou...

A proposta ainda precisa ser aprovada na Câmara para que possa barrar essa ambição desmedida de pessoas que constituem partidos políticos. O propósito é ter acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de TV. Isso significa moeda em período eleitoral, que gera uma deslavada corrupção.

 

2. O projeto prevê a formação de federações partidárias.

Na prática, isso abre uma brecha na lei? Nós não estamos proibindo a formação de partidos, mas apenas dizendo que, para constituir uma legenda, é preciso ter formação nacional, com 2% ou 3% do votos válidos em pelo menos 14 Estados.

 

3. Mas o nanicos poderão sobreviver como federação partidária...

Sem a federação, o projeto não seria aprovado na Câmara e tudo ficaria como está.

 

4. A cláusula pode acabar com partidos ideológicos e de oposição como PSOL e PCdoB? Para isso criamos a federação.

Partidos pequenos e que têm uma história podem se unir com outros que tenham identidade. Vamos imaginar partidos como o PCdoB.

 

5. O projeto, caso aprovado na Câmara, deve aumentar a parcela do Fundo Partidário das grandes legendas.

Isso foi uma motivação? À medida que você tem um Fundo Partidário e ele é dividido por um número menor de partidos, a tendência é essa. Claro que isso é uma motivação, por causa da proibição do financiamento privado de pessoa jurídica. Isso motivou grandes e médios a aprovar a proposta. / P.V.