O Estado de São Paulo, n. 45008, 08/01/2017. Política, p. A6

Governo pagou R$ 2,4 bilhões a alvos da Lava Jato

 

Beatriz Bulla
Fábio Fabrini
 

Alvo da Operação Lava Jato desde o fim de 2014, as principais empreiteiras investigadas pela força-tarefa receberam cerca de R$ 2,4 bilhões do governo federal nos últimos dois anos, segundo levantamento feito pelo Estado no Portal da Transparência. O valor inclui repasses a obras que estão na mira da Polícia Federal e do Ministério Público Federal por suspeita de superfaturamento, fraude contratual e corrupção, entre outras irregularidades.

Desse total, R$ 752 milhões foram pagos à Odebrecht e R$ 101 milhões à Camargo Corrêa. As duas fecharam acordos de leniência com o poder público.

Ao assinar a leniência, as empresas reconhecem crimes e pagam multas com o objetivo de preservar a autorização de contratar com a administração pública. Outras empresas investigadas por integrar o cartel na Petrobrás ainda negociam acordos como o firmado no mês passado pela Odebrecht.

A empreiteira, com a Braskem – seu braço petroquímico –, se comprometeu a pagar indenização de R$ 5,3 bilhões no Brasil.

Os pagamentos do governo às empresas, no entanto, vêm caindo desde 2014, quando a Lava Jato foi deflagrada. A operação começou em março daquele ano, mas só chegou às empreiteiras em novembro. Em 2014, as construtoras receberam R$ 3,4 bilhões. Em 2015, a cifra caiu para R$ 1,4 bilhão. No ano passado, foi R$ 1 bilhão.

Crise. A queda se deve não só ao escândalo de corrupção, que inibiu a celebração de novos contratos públicos com as empresas, mas também à recessão econômica, que fez encolher os investimentos do governo em infraestrutura. Outro motivo é que algumas das empreiteiras investigadas, mergulhadas em aguda crise financeira, não têm conseguido tocar empreendimentos pactuados com o governo com a mesma velocidade e, por isso, vêm recebendo menos.

O levantamento do Estado foi feito com base em dados disponíveis até sexta-feira passada. O site mostra apenas os valores pagos pela administração direta, o que inclui os ministérios e as autarquias de maior orçamento, entre elas o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Os pagamentos da Petrobrás e demais estatais, no entanto, não são lançados no sistema.

Há obras suspeitas de irregularidade entre as que receberam dinheiro do governo no ano passado. É o caso da construção da Ferrovia Norte-Sul, em Goiás. Em junho de 2016, a Polícia Federal deflagrou a Operação Tabela Periódica, desdobramento da Lava Jato que apura fraudes nas licitações da Norte-Sul e da Ligação Leste-Oeste.

A investigação surgiu com base no acordo de leniência firmado pela Camargo Corrêa, a primeira entre as empreiteiras a fechar acordos com o MPF e com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em julho de 2015. No ano passado, há registros de pagamentos da Valec, empresa pública ligada ao Ministério dos Transportes, à Constran e à Engevix para a construção da Ferrovia Norte- Sul no trecho de Ouro Verde de Goiás a São Simão (GO).

Submarinos. Entre as empresas investigadas, a que foi irrigada com maior quantidade de recursos no ano passado foi a Construtora Norberto Odebrecht – um dos braços do Grupo Odebrecht. Em 2016, a empresa recebeu R$ 483 milhões. Todo o montante foi destinado a obras vinculadas à montagem do estaleiro e da base naval para construção de submarinos convencionais e de propulsão nuclear.

Conforme o Estado revelou, a Odebrecht citou o Programa de Desenvolvimento de Submarino (Prosub) em seu acordo de delação. Foram realizados ao menos dois pagamentos “não oficiais” no exterior por meio do Setor de Operações Estruturadas, conhecido como o departamento da propina da empresa.

Depois da Odebrecht, as empreiteiras mais contempladas foram a Queiroz Galvão (R$ 234 milhões) e a Mendes Júnior (R$ 146 milhões). Nos dois casos, a maior parte dos recursos vem de projetos rodoviários e de irrigação, principalmente a Transposição do São Francisco. Em dezembro, o governo rescindiu o contrato com a Mendes Júnior na transposição, depois de um aval do Tribunal de Contas da União (TCU), porque a empreiteira não estava conseguindo executar o serviço. Os pagamentos feitos em 2016 são, principalmente, por contratos celebrados antes de as empreiteiras se enrolarem na teia da Lava Jato.

Entre as empresas de grande porte, somente a Mendes Júnior está proibida de fechar novos negócios com a administração federal. Além de multada, a empreiteira mineira foi declarada inidônea, a sanção mais grave para empresas envolvidas em corrupção, que impede a participação em licitações e a celebração de novos contratos. Essa penalidade pode ser aplicada tanto em processos do Executivo quanto do TCU. / COLABOROU FABIO SERAPIÃO

 

PARA LEMBRAR

CGU instaurou 29 processos

Entre dezembro de 2014 e abril de 2015, o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União instaurou 29 processos de responsabilização contra empresas citadas na Lava Jato, mas só sete chegaram ao fim. Em três casos, as investigações foram arquivadas. Em outros quatro, foram declaradas inidôneas Skanska, Iesa Óleo & Gás, Jaraguá Equipamentos e Mendes Júnior. A maioria das demais empresas ainda negocia acordos de leniência com a pasta, com vistas a manter a possibilidade de contratar com a administração, mediante o ressarcimento de perdas causadas ao poder público, a confissão de ilícitos, o pagamento de multas e a estruturação de mecanismos de combate à corrupção.