O Estado de São Paulo, n. 45008, 08/01/2017. Economia, p. B1

Idade mínima no INSS deve reduzir desigualdades regionais, mostra estudo

 

Adriana Fernandes
Idiana Tomazelli

 

A fixação de uma idade mínima de 65 anos para todas as aposentadorias no Brasil pode amenizar a desigualdade regional na concessão de benefícios, de acordo com estudo do consultor do Senado Pedro Nery. Hoje, mais de 20% dos trabalhadores das Regiões Sul e Sudeste se aposentam por tempo de contribuição, muito antes da idade mínima proposta, e usufruem do benefício por mais tempo, uma vez que têm expectativa de vida maior. Já no Norte, Nordeste e Centro- Oeste, os trabalhadores se aposentam com uma idade média entre 63 e 64 anos, próximo ao que o governo apresentou na reforma da Previdência, encaminhada no fim do ano passado ao Congresso Nacional.

Os dados do estudo contrariam a percepção de que os trabalhadores de regiões mais pobres, onde a expectativa de vida é menor, terão de contribuir por um tempo ainda maior do que atualmente para ter direito ao benefício. Nery observa que as despesas com aposentadoria por tempo de contribuição se concentram nos Estados mais ricos do País, o que cria uma espécie de “conflito federativo” e evidencia o potencial de concentração de renda provocado pela ausência de uma idade mínima para a aposentadoria urbana. “A maior rejeição (da idade mínima) ocorre justamente em Estados onde há mais benefícios por tempo de contribuição. É muito irônico”, diz o especialista, que integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado.

Em São Paulo, por exemplo, o custo das aposentadorias por tempo de contribuição chega a R$ 58 bilhões, mais de mil vezes o valor de Roraima (R$ 51 milhões). A cifra é influenciada pela diferença na população, mas é sintoma da concentração desse tipo de benefício e também do maior valor individual pago aos aposentados por essa modalidade. No caso paulista, 26,3% dos benefícios foram concedidos por tempo de contribuição, ante 1,9% em Roraima.

Em economias mais desenvolvidas e formalizadas, com maior oferta de emprego com carteira assinada, é mais fácil atingir o tempo mínimo de contribuição ao INSS – pela regra atual, 35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres. Assim, a aposentadoria chega mais cedo para esses trabalhadores.

Na Região Sul, por exemplo, a idade média de aposentadoria é de 58 anos, enquanto no Sudeste é de 61 anos, abaixo do registrado nas demais regiões do País e também da idade mínima proposta pelo governo federal.

O estudo mostra ainda que a diferença da expectativa de vida de uma pessoa aos 60 anos e a idade média de aposentadoria permite aos aposentados dos Estados mais ricos usufruírem do benefício por muito mais tempo: 25 anos na Região Sul, ante 16 anos na Região Norte.

Para Nery, a idade mínima de 65 anos vai atenuar essa distorção, ao afetar principalmente os beneficiários que se aposentam antes e vivem mais.

Nery formulou um texto em linguagem mais simples, em formato de perguntas e respostas, para subsidiar os parlamentares no debate, que começa efetivamente em fevereiro, após as eleições para as presidências da Câmara e do Senado. O primeiro passo será a instalação da comissão especial na Câmara dos Deputados.

Tempo de contribuição. Assim como a fixação da idade mínima, o pesquisador acredita que a nova fórmula de cálculo da aposentadoria também mira os mais ricos. A proposta do governo prevê que o benefício parta de uma base de 51% do salário de contribuição e ganhe 1 ponto porcentual a cada ano.

No fim das contas, o trabalhador só obteria a aposentadoria em valor integral com 49 anos de contribuição, mas Nery diz que essa regra não deve ser aplicada no caso dos mais pobres.

“Eles não precisam contribuir tanto para que seu benefício seja integral. No caso deles, o valor do salário mínimo vigente tende a ser até maior do que a média do seu salário de contribuição”, diz. O governo já se adiantou em garantir que nenhuma aposentadoria será menor que o salário mínimo.

O pesquisador, por sua vez, acredita que a revisão da política de valorização do salário mínimo (ou então uma medida mais drástica, como a desvinculação das aposentadorias em relação a esse piso) será um debate inevitável no futuro, uma vez que, mesmo com a reforma da Previdência, os gastos na área continuarão crescendo. O governo Dilma Rousseff ensaiou uma revisão da política de ganhos reais no mínimo, mas o tema enfrentou resistências.

 

Cenário

“A maior rejeição (da idade mínima) ocorre em Estados onde há mais benefícios por tempo de contribuição. É irônico.”

Pedro Nery

CONSULTOR DO SENADO

 

DESIGUALDADE ENTRE ESTADOS

Participação das aposentadorias por tempo de contribuição (ATCs) no total de benefícios é maior em Estados mais ricos, contribuindo para desigualdade e concentração de renda, segundo estudo

 

Média de aposentadoria é menor em regiões mais ricas

Com maior incidência de aposentadorias por tempo de contribuição, trabalhadores do Sul e do Sudeste param de trabalhar mais cedo em média, apesar de viverem mais

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Previdência só está no azul em 60 cidades

 
Fernando Nakagawa

 

A Previdência Social tem as contas no azul em apenas 60 municípios brasileiros. Em todas as demais 5.510 cidades do País as despesas superam a arrecadação. Enquanto o déficit da Previdência cresce e brasileiros começam a discutir a reforma da aposentadoria, dados do governo mostram que 98,9% das localidades terminaram 2015 com saldo negativo.

A região do ABC Paulista, berço do sindicalismo e de movimentos trabalhistas, lidera o ranking do rombo do Brasil, com Santo André no topo: os pagamentos do INSS aos aposentados no município superaram a receita obtida com os trabalhadores em R$ 1,773 bilhão. Em seguida, está a vizinha São Bernardo do Campo, com R$ 1,459 bilhão.

Os números sobre o fluxo de caixa do regime geral da Previdência Social na esfera municipal revelam que o desequilíbrio nas contas é amplo e irrestrito: atinge áreas urbanas e rurais, grandes e pequenas localidades e afeta todas as regiões. As contas estão no vermelho desde grandes capitais, como Salvador, até as menores localidades, como Coxixola, na Paraíba, onde há só dois aposentados. Em 2015, o sistema previdenciário brasileiro amargou déficit de R$ 85,8 bilhões. No ano passado, até outubro, o rombo já somava mais de R$ 120 bilhões.

Ainda que o déficit seja visto em todo o País, o fenômeno é mais evidente nas grandes cidades das regiões metropolitanas. Dos dez maiores déficits em 2015, seis têm essa mesma característica: além de Santo André e São Bernardo, Duque de Caxias, São Gonçalo, Niterói e Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio. “São municípios com histórico industrial muito forte e que tiveram redução desse parque”, diz o diretor do Departamento do Regime Geral de Previdência Social, Emanuel Dantas.

Desde a década de 1980, regiões metropolitanas perderam fábricas para o interior.

Santo André, por exemplo, já chegou a ser o segundo município paulista com mais empregos industriais – atrás apenas da capital – na década de 1970 e início dos anos 1980. Em 2015, a cidade apareceu em um modesto 13.º lugar no ranking do emprego industrial no Estado.

Quando o poder econômico diminui, a arrecadação com a contribuição previdenciária cai. Para piorar, muitos trabalhadores que estavam no mercado de trabalho no boom econômico da indústria na década de 70 já estão aposentados. Assim, cai a arrecadação, sobem as despesas da Previdência e a conta não fecha.