Saques, 62 mortos e medo no Espírito Santo
Bruno Dalvi 
07/02/2017
 
 
Em meio à crise causada pela greve da PM, governo envia apoio de 200 homens da Força Nacional

-VITÓRIA- Apontado como exemplo de controle nas contas públicas em 2016, o Espírito Santo volta a ser destaque no Brasil agora pela grave crise na Segurança Pública, que retirou a Polícia Militar das ruas desde a madrugada de sábado. O movimento provocou uma onda de violência com homicídios, arrastões, roubo a lojas, assaltos nas ruas, tiroteios. Escolas, faculdades e postos de saúde fecharam e ônibus da Grande Vitória pararam de circular.

O sindicato dos policiais civis informou que, desde o início do protesto, 62 corpos chegaram ao Departamento Médico Legal de Vitória — todos vítimas de homicídio. Para se ter uma dimensão da crise, no mês de janeiro inteiro, ainda segundo o sindicato, foram registrados quatro homicídios. O governo do estado não divulga os números da crise. A Secretaria de Segurança reconhece que houve aumento de mortes e também de crimes.

Em função da crise, o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, viajou para o estado para acompanhar a crise junto com as autoridades locais e autorizou a atuação de 200 homens da Força Nacional de Segurança e também do Exército. No fim da tarde, já eram vistos os primeiros carros do Exército circulando. E o comando da PM foi trocado. O coronel Nilton Rodrigues substitui o coronel Laercio Oliveira, que ficou menos de um mês no cargo.

— Eles vêm com seus carros para fazer o patrulhamento ostensivo e cumprir a sua função. Por parte do Exército o efetivo está aqui no 38º Batalhão e já estamos tomando as providências para atuação deles. De forma alguma nós vamos aceitar esse tipo de atitude que é deixar a população desguarnecida de um serviço que é essencial. As negociações com os militares estão suspensas até que eles retomem suas atividades — disse o governador em exercício, César Colnago.

Jungmann tentou tranquilizar a população:

— Tenho certeza de que, em conjunto com as forças locais, nós estaremos nas ruas para garantir a integridade das pessoas, das propriedades, a paz e tranquilidade.

Colnago assumiu o comando interino do estado no fim de semana porque o governador Paulo Hartung está internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde retirou um câncer na bexiga. Assim que receber alta, Hartung terá o desafio de contornar um dos maiores problemas da segurança pública da História do Espírito Santo. Uma tarefa que ele fará simultaneamente com as negociações políticas que o movem, entre elas, a sua saída do PMDB, partido pelo qual foi eleito.

A Justiça decretou a ilegalidade do movimento, estabeleceu multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento da ordem e determinou que as entidades e seus associados não realizem qualquer movimento grevista, quer seja aquartelamento ou “greve branca’’ e retornem ao trabalho. São atingidas pela decisão a Associação de Cabos e Soldados, a Associação dos Subtenentes e Sargentos, a Associação dos Bombeiros Militares, a Associação dos Oficiais Militares e a Associação dos Militares da reserva.

Manifestações acontecem em toda a Região Metropolitana de Vitória e também nas cidades do interior. Além de reajuste salarial, familiares pedem o pagamento de auxílio alimentação, periculosidade, insalubridade e adicional noturno, além de reclamarem do sucateamento da frota e da falta de perspectiva.

Para o ex-governador Renato Casagrande (PSB), principal adversário político de Hartung, a crise da Segurança Pública é reflexo da falta de investimento:

— O governo ficou agarrado ao discursos do ajuste fiscal como se fosse o objetivo final, quando não é. Ajuste fiscal é instrumento para aplicar recursos que melhorem a vida das pessoas.

O secretário de Economia e Planejamento do estado, Regis Mattos Teixeira, rejeita a tese de que o ajuste fiscal possa ter contribuído para a crise de segurança:

— Viemos de um déficit em 2013 e 2014 e começamos 2015 sem reserva de caixa. Fizemos os ajustes para garantir a manutenção dos serviços essenciais. Em Saúde, Segurança e Educação aumentamos em 12% o investimento de 2014 para 2016.

O secretário disse ainda que o estado vai aplicar R$ 4 milhões na compra de carros policiais, mas reconheceu que, diante do cenário econômico, está difícil investir. Ele contou que não há recurso próprio livre para investimento. Apenas os provenientes de operações de crédito.

— Quem não fez o ajuste está desorganizado. Nós estamos com pagamentos de salários e fornecedores em dia e garantindo os insumos das áreas básicas. O objetivo de manter o equilíbrio fiscal não muda.

Mattos contestou que o estado tenha R$ 3 bilhões livres em caixa. Segundo ele, o valor é de R$ 182 milhões, o que não representa nem metade da folha de pagamentos.

O globo, n. 30500, 07/02/2017. País, p. 8