Tráfico em alta na Asa Norte

Thiago Soares e Isa Stacciarini

22/04/2017

 

 

A possibilidade de a morte do taxista Luís Eduardo dos Santos, 34 anos, estar ligada ao tráfico de drogas alerta para a prática desse crime na Asa Norte. A vítima foi morta em um posto da gasolina da 309 Norte, onde funciona uma loja de conveniência 24 horas, com direito a troca de tiros e a uso de uma espingarda Winchester calibre 38.  Pela região, moradores reclamam do uso constante de drogas, acompanhado de excesso de bebidas. Números da Polícia Militar confirmam o problema. Somente neste ano, 30 traficantes foram presos na Asa Norte — 50% a mais que no mesmo período de 2016, quando 20 acabaram detidos pela corporação. As apurações da Polícia Civil também indicam que o homicídio do taxista foi premeditado. Mensagens no celular da estudante de gastronomia Rafaela Teixeira de Souza, 28 anos, única detida até o momento, revelam a intenção de tirar a vida de alguém.

No diálogo, não fica claro se o alvo era Luís Eduardo, morto durante a troca de tiros. Na conversa via mensagem pelo Facebook, Rafaela pergunta a um rapaz se ele tem uma arma e diz que vai matar. “Mas é que deu merda. Vou mata (sic). Me ajuda?”, escreveu. O homem questiona quem ela pretende assassinar. A mulher não responde. Ela também envia um áudio para o colega. “Me ameaçaram, ameaçaram meu namorado com uma arma. Eu consegui uma aqui e duas facas. Eu sei que você não quer que eu faça isso. Mas agora, véi, vai rolar.” Ainda na quinta-feira, Rafaela se apresentou como testemunha do crime à 5ª Delegacia de Polícia (Área Central), mas acabou detida por envolvimento. Nas imagens registradas no circuito do posto, ela aparece ao lado do carro do atirador.

A Justiça decretou, ontem, a prisão preventiva de Eduardo Adrien Cunha Neto e Rafael Arcanjo Gomes de Abreu. Os dois estavam com Rafaela no carro. Eduardo, que é namorado da estudante de gastronomia, foi quem atirou por cerca de 40 segundos contra o taxista. A vítima bebia no local acompanhada de outras pessoas, que fugiram durante os tiros. Um deles, inclusive, levou a arma que o taxista usou para revidar. Até o fechamento desta edição, a Polícia Civil ainda não tinha identificado quem acompanhava Luís momentos antes do tiroteio. Eduardo e Rafael são considerados foragidos pela corporação.Familiares e amigos se despediram ontem de Luís. O velório ocorreu na Capela 7 do Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul. Ao menos 50 pessoas acompanharam a cerimônia. O pai dele, Francisco Alves Lobo, 68, estava consternado e não quis falar sobre o assunto. Um irmão, que não se identificou, disse que ele estava em processo de cadastro para ser taxista. “Não atuava em aplicativo, apenas circulava nas ruas”, resumiu. A Secretaria de Mobilidade e o Sindicato dos Taxistas (Sinpetaxi-DF) informaram que Luís não tinha cadastro como taxista.

 

Medo

No local do crime, ficaram os rastros do tiroteio. No teto do posto de gasolina, que funcionou normalmente ontem, há duas marcas de tiros. Na placa de trânsito próxima à entrada do estabelecimento, há outros dois furos. O crime assustou os brasilienses, principalmente, por ter acontecido em horário considerado de movimento — por volta das 6h30, quando as pessoas seguem para o trabalho e pais levam crianças para escolas próximas da localidade. Morador da 110 Norte, o engenheiro Jaime Mano destacou a sensação de insegurança. “Esse crime mostra que estamos à mercê do perigo. Além desse local, existem outros críticos. Bem próximo daqui, na 508, temos que lidar com a ameaças de guardadores de carros. O uso de drogas está em todo lugar, principalmente nas entrequadras.”A quadra onde ocorreu o crime era, até então, considerada segura devido a uma especificidade: em um dos blocos, residem ministros. Portanto, em determinados horários, a quadra passa por vigilância de policiais federais. Quem mora nas proximidades do posto reclama que já registrou por lá o uso de drogas, bebidas e até cenas de sexo ao ar livre. O presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Brasília, Alcino Marçal Almeida, alerta que ocorrências eram constantes no estabelecimento. “Já havíamos alertado em diversas ocasiões sobre esses perigos, mas acabou ocorrendo esse crime. Ficamos com uma sensação de insegurança. Com essa morte, agora, esperamos que seja feito algo efetivamente”, destaca.

Para Cássio Thyone, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o crime ocorrido na Asa Norte é apenas um reflexo do que ocorre em todo o Distrito Federal. “Como brasilienses, tendemos a nos surpreender quando os fatos ocorrem no Plano Piloto. A criminalidade não é restrita à periferia ou a locais menos abastados”, destaca. Para o especialista, é preciso uma apuração precisa para saber os fatos que culminaram no crime, seja relação com drogas, seja por outros motivos. “O fato é que, nesse tiroteio, poderiam ter ocorrido vítimas que não têm qualquer ligação com o consumo de entorpecentes. Alguém que estava simplesmente passando próximo ao local”, aponta.

 

Ocorrências

Se durante o dia a Asa Norte é bem movimentada pela grande presença de empresas, à noite o movimento é na W3. Por lá, além da prostituição, há registros de tráficos de drogas. A Polícia Militar aponta a localidade como crítica, por isso, segue em constante monitoramento de toda a região. “As características são de traficantes circulando com poucas quantidades de drogas. Eles escondem parte das porções em vários pontos próximos de onde comercializam para dificultar o militar encontrar o entorpecente. A consequência é que, em algumas ocasiões, eles são detidos, mas enquadrados apenas como usuários. A corporação usa do serviço de inteligência para monitorar e prender esses traficantes”, detalhou o porta-voz da corporação, major Michello Bueno. Somente neste ano, a corporação prendeu 76 pessoas por uso e porte de entorpecentes. Em 2016, foram 104 detidos.

 

 

Quatro perguntas para

 

Marcelo Durante, subsecretário de Gestão da Informação da Secretaria de Segurança Pública

 

Embora alguns crimes tenham caído, como o de homicídios, na rua, a população se queixa da sensação de insegurança. O que reflete essa onda de medo entre moradores do Distrito Federal?

Uma coisa é o crime, outra coisa é o medo. Independentemente se a pessoa ou alguém da família tenha sido ou não vítima de uma ocorrência, só de ela saber que o caso existe e assistir a isso na televisão, a sensação de vulnerabilidade já é internalizada. E esse sentimento cresce à medida que as condições de iluminação e higiene não são favoráveis. Infelizmente, com o processo da aposentadoria, houve baixa no efetivo da polícia e, quando as pessoas não veem policiais, o medo pode ser provocado. Hoje, no Distrito Federal, cerca de 13% da população é vítima de crime, mas 78% é vítima do medo. Justamente porque a sensação de insegurança é mais do que simplesmente o crime. Se, por um lado, a gente tem enfrentado o problema de criminalidade, precisamos, por outro, de políticas direcionadas para o medo. E isso está acontecendo com ações visando combater e reduzir a sensação de vulnerabilidade por meio de programas.

 

Quais os principais crimes que baixaram?

Estamos tendo resultados ainda mais exitosos referentes aos homicídios. Se, no ano passado, tivemos a menor queda em 22 anos, apenas no primeiro trimestre deste ano, tivemos uma redução de 23% nos casos. Se nos mantivermos assim, será o menor número em 25 anos. Em relação aos roubos, fizemos uma ação importante com a Anatel para que os celulares roubados não possam ser cadastrados novamente para gerar uma segunda linha. Acreditamos que, com isso, haverá um impacto muito significativo nessa incidência de crime, principalmente porque em 70% dos casos de roubo e furto o objeto mais visado é o celular.

 

Embora os casos contra a vida tenham reduzido, quando eles acontecem à luz do dia, como ocorreu na Asa Norte, dão a sensação de aumento da criminalidade. Por que isso tem acontecido?

Percebemos os crimes muito relacionados com a questão de droga e tráfico. Quando acontece algo contra o patrimônio, envolvem grupos articulados, que entram em conflitos entre si. Por outro lado, estamos conseguindo uma redução especialmente em relação ao caráter da passionalidade nos crimes, o que é importante, mas, em compensação, as situações de latrocínio têm ganhado nos crimes letais intencionais. Outro problema sério é a reincidência, em que precisamos lidar em conjunto com a Justiça.

 

A Secretaria de Segurança Pública incorporou ou pretende adotar algum modelo de combate aos crimes de outras cidades?

A nossa estratégia central hoje de segurança pública, de lidar com áreas críticas, identificando as características das regiões e atuando em cima dos dados, é a abordagem de Gestão Orientada para Resultados. Essa foi a solução de problemas em Nova York e de intervenções em Minas Gerais e em São Paulo. São cidades que focaram em áreas críticas e atuaram não apenas com a ação da polícia, mas melhorando as condicionantes urbanas.


Diálogo

Leia a transcrição da conversa de Rafaela Teixeira de Souza com um amigo em que planejam o crime:

Rafaela: Amigo, tem arma aí?

Amigo: é vc msm? O que ouve? (sic)

Rafaela: Sou eu. Mas é que deu merda. Vou matá (sic). Me ajuda.

Amigo: Mata (sic) quem?

Rafaela: Amigo tem? Busco aí.

Amigo: Para com isso.

Rafaela: Já consegui uma. Sobrinho ninguém faz osso comigo.

Amigo: Rafa, o que tá (sic) acontecendo???

Rafaela (em áudio): Me ameaçaram, ameaçaram meu namorado com uma arma. Eu consegui uma aqui e duas facas. Cês tão de mimimi (sic). Eu sei que você não quer que eu faça isso. Mas agora, véi, vai rolar.

Amigo: (Três emotions de carinhas assustadas)

Rafaela: Sobrinho, tentaram me matar

Amigo: Já tirou essa loucura da cabeça?

 

 

Correio braziliense, n. 19688, 22/04/2017. Cidades, p. 15.