O fim de uma luta de dez dias pela vida

Luiza Souto e Thiago Herdy

04/02/2017

 

 

Corpo de ex-primeira-dama será velado na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, antes de cremação

Foram dois dias de estado gravíssimo até que o boletim médico do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, divulgou em uma única linha: “o óbito de dona Marisa Letícia foi registrado às 18h57m desta sexta-feira”. Terminava, naquele horário, a luta da exprimeira-dama contra os efeitos de um Acidente Cerebral Vascular (AVC) da qual ela foi vítima no último dia 24. Mas foram as últimas 48 horas o período mais crítico, quando já não se verificava fluxo sanguíneo cerebral, levando os médicos a desligarem os aparelhos aos poucos. O ex-presidente Lula permaneceu no hospital durante todo o tempo nos últimos dias, assim como filhos, noras e netos. O padre Julio Lancelotti foi quem fez o rito de extrema-unção, ainda no fim da tarde de ontem.

Dona Marisa, que tinha 66 anos de idade, passou pela primeira etapa do protocolo de morte encefálica às 12h05m, conforme uma nota também breve do hospital. O último processo foi finalizado às 18h05m. Mais 52 minutos foram necessários para que os médicos atestassem oficialmente a morte.

A ex-primeira dama passou mal no apartamento em que morava em São Bernardo do Campo, e foi imediatamente levada a um pronto-socorro local, onde constataram o AVC. Em seguida, foi transferida de ambulância para o Sírio-Libanês. Desde então, ela estava internada na UTI.

Antes de ser cremada no final da tarde de hoje numa cerimônia reservada para familiares e amigos próximos, dona Marisa será velada a partir das 9h na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, em São Bernardo, onde conheceu Lula, em 1973. A expectativa é da presença de autoridades, amigos e uma grande parcela de militantes do PT. Muitos fizeram vigília na porta do hospital durante a internação da exprimeira-dama. Autoridades como o presidente Michel Temer e os ex-presidentes Dilma Rousseff, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, além de ministros e parlamentares, visitaram a família Lula em sala reservada do hospital.

Um grupo de militantes petistas do Paraná que fazia vigília na entrada do Sirio-Libanês em solidariedade à ex-primeira dama foi recebido por Lula. Cada uma recebeu um abraço do ex-presidente.

Logo depois de confirmada a morte, foi iniciado o procedimento de retirada de órgãos, autorizado pela família. Potencial doadora de córneas, rins e fígado, esses órgãos passariam por avaliação de diferentes equipes para saber da situação de cada um deles e a compatibilidade com pacientes que aguardam na fila de transplante. Todo o procedimento será feito observado pela Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Hospital das Clínicas.

VAZAMENTO DE DIAGNÓSTICO

A internaçao de dona Marisa também provocou uma polêmica. Uma médica do Sírio-Libanês vazou o diagnóstico da ex-primeira-dama em mensagens sobre o estado de saúde dela com amigos no Whatsapp, como revelou ontem o site do GLOBO. A médica Gabriela Munhoz confirmou que dona Marisa estava no pronto-socorro com diagnóstico de Acidente Vascular Cerebral hemorrágico de nível 4 na escala Fisher — considerado um dos mais graves — prestes a ser levada para a UTI.

Gabriela foi demitida na quarta-feira, e um dos médicos que também compartilhou o vazamento, Richam Faissal El Hossain Ellakki, foi desligado ontem da Unimed. O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) instaurou uma sindicância para apurar a divulgação de dados sigilosos do diagnóstico da ex-primeira-dama

Segundo o Cremesp, o Código de Ética Médica proíbe o médico de “permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade”.

Assim que declarada a morte da exprimeira-dama, novas manifestações de solidariedade foram feitas por autoridades. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, estendeu solidariedade a toda a família Lula: “Transmito nossa profunda solidariedade e tristeza pela perda da ex-primeira-dama Marisa Letícia. Nossos sentimentos e orações ao ex-presidente Lula, aos seus filhos, familiares e amigos”.

Já o escritório que defende Lula e dona Marisa nos processos da Lava-Jato reforçou a inocência de sua cliente. “Dona Marisa não poderá, lamentavelmente, ver triunfar o reconhecimento de sua inocência por um juiz imparcial. A consequência jurídica do seu falecimento nesta data será a extinção, em relação a ela, das duas ações penais propostas — de forma irresponsável — pelo Ministério Público Federal”, diz a nota do escritório Teixeira & Martins, que emenda: “Foi com muito orgulho que atuamos na defesa de uma pessoa digna e honesta, que foi injustamente perseguida e vítima de falsas acusações”.

Na Lava-Jato, dona Marisa era ré em dois processos. A primeira ação investiga se o casal Lula da Silva foi beneficiado pela construtora OAS ao receber um tríplex no Guarujá, no litoral de São Paulo. A defesa da família afirma que comprou outro apartamento no mesmo prédio, que devolveu à construtora, e que nunca usufruiu do tríplex. O outro processo apura a compra de um apartamento vizinho ao de Lula, em São Bernardo, intermediado por um sobrinha do pecuarista José Robereto Bumlai. Lula diz que paga aluguel deste imóvel. Com a morte, as duas ações deixam de existir.

O globo, n. 30497, 04/02/2017. País, p. 8