Jogo de esconde-esconde

Natália Lambert e Evelin Mendes

26/04/2017

 

 

Levantamento do Correio mostra que a maioria dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça preferiu não se manifestar sobre o projeto de abuso de autoridade. Texto será votado na manhã de hoje

 

Na véspera da votação do Projeto de Lei 280/2016, que define crimes de abuso de autoridade, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), senadores decidiram não marcar posição em relação à proposta, duramente criticada por membros do Ministério Público Federal (MPF) e magistrados, especialmente, investigadores envolvidos na Operação Lava-Jato. Levantamento do Correio, com os 53 senadores do colegiado, entre titulares e suplentes, mostra que a maioria (18) preferiu não responder se é contra ou a favor da proposta. Do restante, 12 disseram ser contra, 11 favoráveis e o restante não retornou à reportagem. A proposta será discutida hoje, a partir das 10h.

A visível maioria que aprovaria o substitutivo do senador Roberto Requião (PMDB-PR), na quarta-feira passada, estava mais contida ontem depois da grande repercussão enfrentada nas redes sociais e até nos próprios celulares — senadores passaram a semana recebendo mensagens pedindo que o projeto seja rejeitado. O consenso é esperar a nova proposta que será apresentada pelo relator antes de tomar uma decisão. Procuradores da República alegam que o projeto intimida e pune investigadores e representa ameaça à Lava-Jato.

O PSDB, partido que tem três votos entre os titulares, reuniu-se na noite de ontem para debater a matéria. Se as alterações relacionadas à possibilidade de criminalização da hermenêutica (divergência de opinião entre juízes), forem resolvidas, a legenda será favorável ao texto. A condição de mudança de pontos polêmicos, como o artigo 3 (leia quadro), também fez parte do discurso de parlamentares de outras legendas.

Já no PT, dono de cinco votos entre os titulares, o clima para a matéria é favorável, apesar de os senadores que preferiram não opinar e do voto divergente de Paulo Paim, que acredita que o momento é inoportuno para discutir a questão. “Se alguém do Ministério Público comete um crime, ele é julgado pelo próprio MP. O país não pode ter uma casta de pessoas que não respondam adequadamente aos excessos e abusos”, comenta Lindbergh Farias (PT-RJ).

Recuos
Durante o dia de ontem, o relator do PLS 280/16, Roberto Requião, usou a conta pessoal do Twitter para defender a proposta com posts como: “O abuso das autoridades são baleias azuis que levarão ao suicídio e à falência o sistema de garantias do direito no país” e “Alegação que a lei de abuso é para parar a Lava-Jato é uma falsidade sórdida que demonstra o caráter de seus autores”. Apesar do tom agressivo, Requião negociou alterações e mexerá em dois artigos: o primeiro, para evitar o problema de interpretação sobre a hermenêutica, e o terceiro, que deixa aberta a possibilidade de qualquer pessoa que se sinta ofendida entrar com uma ação penal privada e, assim, cria uma contradição ao Código Penal.

Contrário ao projeto, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirma que, se essas questões forem resolvidas, o projeto fica redondo. “Ninguém é favor do abuso de autoridade. Qualquer excesso deve ser coibido e punido, mas a proposta não pode abrir a possibilidade para que o cidadão que tem dinheiro intimide quem tem a função de investigá-lo”, comenta.

Na opinião do procurador da República Hélio Telho, que participou do grupo de trabalho da PGR que formulou uma proposta a Requião, as alterações melhoram o projeto, mas ainda há outros pontos ruins. “Fica cada vez mais claro que o objetivo do texto não é punir o abuso de autoridade e, sim, criar insegurança para o juiz e o promotor. A ideia é deixá-los com medo para que eles não processem gente poderosa.”

Supremo
Enquanto senadores evitaram se posicionar sobre o assunto, o deputado Francisco Francischini (SD-PR) entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para interromper a tramitação da proposta. De acordo com o parlamentar, a ideia é um atentado contra a democracia. “Irá criminalizar a interpretação das sentenças judiciais, as denúncias e os indiciamentos criminais quando forem contra investigados poderosos.” O pedido é baseado em decisões anteriores do STF que determinaram que parlamentares não são obrigados a votar matéria de “incondicionalidade flagrante”. O ministro Luís Barroso é o relator do mandado de segurança.

Placar

Confira o posicionamento dos senadores da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania sobre o PL 280/16. Somente os titulares têm direito a voto, mas, no caso de alguma ausência, o primeiro suplente do bloco a marcar presença tem o voto.

Titulares    Posicionamento
Jader Barbalho (PMDB-PA)    Não retornou à reportagem
Edison Lobão (PMDB-MA)    Presidente (não vota)
Eduardo Braga (PMDB-AM)    Preferiu não se posicionar
Simone Tebet (PMDB-MS)    Contra
Valdir Raupp (PMDB-RO)    Preferiu não se posicionar
Marta Suplicy (PMDB-SP)    Não retornou à reportagem
José Maranhão (PMDB-PB)    A favor
Jorge Viana (PT-AC)    Preferiu não se posicionar
José Pimentel (PT-CE)    Preferiu não se posicionar
Fátima Bezerra (PT-RN)    Preferiu não se posicionar
Gleisi Hoffmann (PT-PR)    A favor
Paulo Paim (PT-RS)    Contra
Acir Gurgacz (PDT-RO)    Preferiu não se posicionar
Aécio Neves (PSDB-MG)    Preferiu não se posicionar
Antonio Anastasia (PSDB-MG)    Preferiu não se posicionar
Flexa Ribeiro (PSDB-PA)    Preferiu não se posicionar
Ronaldo Caiado (DEM-GO)    Contra
Maria do Carmo Alves (DEM-SE)    Preferiu não se posicionar
Lasier Martins (PSD-RS)    Contra
Benedito de Lira (PP-AL)    Preferiu não se posicionar
Wilder Morais (PP-GO)    Não retornou à reportagem
Armando Monteiro (PTB-PE)    Preferiu não se posicionar
Eduardo Lopes (PRB-RJ)    A favor
Magno Malta (PR-ES)    Contra
Antonio Valadares (PSB-SE)    Contra
Roberto Rocha (PSB-MA)    Preferiu não se posicionar
Randolfe Rodrigues (REDE-AP)    Contra


Suplentes
Roberto Requião (PMDB-PR)    A favor (relator)
Romero Jucá (PMDB-RR)    A favor
Renan Calheiros (PMDB-AL)    A favor (autor)
Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN)    Não retornou à reportagem
Waldemir Moka (PMDB-MS)    Preferiu não se posicionar
Rose de Freitas (PMDB-ES)    Não retornou à reportagem
Hélio José (PMDB-DF)    A favor
Humberto Costa (PT-PE)    A favor
Lindbergh Farias (PT-RJ)    A favor
Regina Sousa (PT-PI)    Preferiu não se posicionar
Paulo Rocha (PT-PA)    A favor
Ângela Portela (PDT-RR)    Contra
Ricardo Ferraço (PSDB-ES)    Contra
Cássio Cunha Lima (PSDB-PB)    Contra
Eduardo Amorim (PSDB-SE)    Contra
Davi Alcolumbre (DEM-AP)    Não retornou à reportagem
José Serra (PSDB-SP)    Licença médica
Ivo Cassol (PP-RO)    Preferiu não se posicionar
Ana Amélia (PP-RS)    Contra
Sérgio Petecão (PSD-AC)    Preferiu não se posicionar
Lídice da Mata (PSB-BA)    Preferiu não se posicionar
João Capiberibe (PSB-AP)    Não retornou à reportagem
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)    A favor
Cidinho Santos (PR-MT)    Não retornou à reportagem
Vicentinho Alves (PR-TO)    Não retornou à reportagem
Fernando Collor (PTC-AL)    Não retornou à reportagem


“Ninguém é favor do abuso de autoridade. Qualquer excesso deve ser punido, mas a proposta não pode abrir a possibilidade para que o cidadão que tem dinheiro intimide quem tem a função de investigá-lo”

Ronaldo Caiado, 
senador goiano

 

 

Correio braziliense, n. 19692, 26/04/2017. Política, p. 2.