Bombas, flechas e balas de borracha

Matheus Teixeira

26/04/2017

 

 

Manifestação de índios contra o esvaziamento da Funai termina em confronto com PMs e policiais legislativos na Esplanada. Protestos devem continuar até sexta-feira

 

Um grupo de índios entrou em confronto com a Polícia Militar e com a Polícia Legislativa, ontem à tarde, no gramado em frente ao Congresso. Enquanto os manifestantes disparavam flechas, os homens que tentavam impedir a entrada deles no parlamento reagiram com tiros de bala de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. O protesto reuniu integrantes de diversas etnias que estão em Brasília para a 14ª edição do Acampamento Terra Livre, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e vai até sexta-feira. Ninguém ficou ferido.

Além de pedir mais atenção à causa indígena e criticar o esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), eles querem apoio contra a proposta de emenda à Constituição (PEC 215/2000) que transfere do Executivo para o Legislativo a decisão sobre a demarcação de terras indígenas. Enquanto a PM afirma que a manifestação reuniu cerca de 2 mil pessoas, os organizadores garantem que tinha, na verdade, o dobro. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), prometeu receber uma comissão de índios hoje para discutir as pautas relacionadas ao tema em curso na Casa.

A marcha indígena começou às 15h, no Museu da República, e desceu em direção à Praça dos Três Poderes. Eles ocuparam todas as faixas do Eixo Monumental. O trânsito chegou a ficar trancado nos dois sentidos ao longo do dia. Por volta das 15h30, eles chegaram ao Congresso e, como o local estava com poucos policiais naquele momento, conseguiram avançar na barreira humana e entrar no espelho d’água. Eles jogaram cerca de 200 caixões pretos de papelão no gramado e, nesse momento, a confusão começou. Para impedir o avanço dos manifestantes, os policiais soltaram bombas e os índios revidaram com arco e flecha.

No confronto, quem levou a pior foram os idosos, mulheres e crianças indígenas. Eles correram em direção aos ministérios com os olhos lacrimejando e com dificuldade para respirar. Muitos foram socorridos no gramado da Esplanada. Eles estão acampados para o evento anual da Terra Livre. Esta é considerada a maior mobilização indígena do Brasil. O movimento ganhou força este ano, segundo os organizadores, por causa do governo Michel Temer, que teria, entre outras ações, esvaziado a Fundação Nacional do Índio (Funai).

De acordo com o cacique Davi Guarany, da terra indígena do Jaraguá, em São Paulo, o atual modelo de desenvolvimento econômico do Executivo federal não respeita as terras dos índios, consideradas sagradas. “Está em curso uma grande articulação no Congresso, entre as bancadas evangélicas e ruralistas, para paralisar a demarcação das terras indígenas e continuar a exploração financeira dos nossos territórios”, explicou Davi Guarany.

“Corremos riscos”


Deputados e senadores de oposição deixaram o Congresso e foram ao encontro dos manifestantes. O cacique Mengaron Txucarramãe os recebeu e pediu ajuda na disputa política pelas terras indígenas. “Nós não queremos violência, só queremos nosso direito. Pedimos aos parlamentares que conhecem nossa causa que ajudem, chamem a atenção dos colegas sobre o que está acontecendo, dos riscos que corremos.” Com resquícios de balas e bombas na mão, Araíde Nato, da tribo Queimada, localizada em Ortigueira, no Paraná, reclamou da ação da polícia. “Não podem simplesmente mudar a lei sobre a demarcação sem nos ouvir. Como também não podem nos atacar desta maneira. Muitos amigos nossos ficaram feridos sem necessidade”, criticou.

Os manifestantes também pressionam para o combate ao avanço da mineração em áreas indígenas, principalmente na Região Norte, e pelo fortalecimento da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde.  O Acampamento Terra Livre (ATL 2017) vai ficar montado em Brasília até o dia 28. Além de marchas pela Esplanada, estão programados protestos, atos públicos, audiências com autoridades, debates e atividades culturais.

 

 

Correio braziliense, n. 19692, 26/04/2017. Política, p. 4.