Mensagens põem vice da Caixa sob suspeita

André de Souza

20/02/2017

 

 

Conversas indicam que Roberto Derziê pode ter atuado para beneficiar empresa

-BRASÍLIA- Mensagens de celular entregues ao Ministério Público Federal pelo empresário Alexandre Margotto fazem referência à atuação do atual vice-presidente de Governo da Caixa Econômica, Roberto Derziê, em negociações que resultaram em irregularidades no Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS). As mensagens indicam que a atuação beneficiaria a empresa de celulose Eldorado, do grupo J&F. Derziê é uma indicação pessoal do presidente Michel Temer, e já tinha sido citado em um relatório da Polícia Federal (PF) sobre irregularidades na Caixa.

A delação de Margotto foi homologada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília. As mensagens que citam Derziê foram escritas pelo ex-vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa Fábio Cleto, um colaborador da Operação Lava-Jato e exconselheiro do FI-FGTS. Em sua delação, Cleto já tinha apontado irregularidades nos investimentos do fundo na Eldorado, o que teria rendido propina ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em 7 de agosto de 2014, Margotto encaminhou ao doleiro Lúcio Bolonha Funaro, então seu sócio, duas mensagens de Cleto tratando da participação de Derziê no esquema. Uma faz referência a outras duas vice-presidências da Caixa, a de Riscos, e a de Gestão de Ativos de Terceiros (Viter). “Tô em cima cobrando todo mundo. Pus Derziê para cobrar junto comigo e falamos com Risco e Viter. Esses caras tão foda e ainda estão dando trabalho para a empresa”, diz Cleto.

MENCIONADO EM OPERAÇÃO

Na outra mensagem, Cleto diz que Derziê está em contato direto com uma pessoa chamada Jair para tratar do contrato da Eldorado. “Jair é bem próximo do Derziê, e ele está em contato com ele direto”, escreveu Cleto. Em 1º agosto, ele já tinha mandado uma mensagem para Margotto dizendo ter ligado para Derziê para que o colega pudesse tratar da questão.

Além de Derziê, Cleto citou Marcos Vasconcelos, ex-vicepresidente da Viter. “Já a Eldorado não tá andando tão bem. Eu falei com MV duas vezes semana passada para cobrar essa merda”, escreveu Cleto para Margotto em 1º de agosto de 2014. Em 14 de agosto, disse: “Cobrei Marcos para ver como foi lá. Ele ficou de checar e me avisa”. Em 22 de agosto, nova mensagem: “durante a semana cobrei o Marcos duas vezes para atender as demandas da empresa. Ele disse que vai passar no comitê dele uma posição favorável. Disse que resolve isso esta próxima semana”.

Os nomes de Derziê e Vasconcelos já tinham aparecido na Operação “Cui Bono?”, na qual foram investigadas irregularidades na Caixa. Segundo um relatório da PF, tornado público em 13 de janeiro, Cunha mandou uma mensagem em 3 de agosto de 2012 a Geddel Vieira Lima, na época vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa. Ele reclamou que Henrique Constantino, do grupo Constantino, não estava conseguindo falar com Derziê, então diretor de Pessoa Jurídica do banco, sobre um empréstimo. Minutos depois, Geddel, que no ano passado foi ministro da Secretaria de Governo de Temer, mandou outra mensagem a Cunha informando que o contato entre Derziê e Henrique Constantino foi feito. Já Vasconcelos teve seu apartamento em Maringá (PR) vasculhado pela PF.

CAIXA AFIRMA COLABORAR

Na delação homologada em 2016, Cleto disse que tinha reuniões semanais com Cunha para discutir financiamentos em análise no conselho do FI-FGTS. Nesses encontros, ele informou que repassava informações ao ex-deputado, que depois o orientava como tinha de votar. Nisso, segundo Cleto, Cunha podia cobrar propina das empresas. No caso do contrato para a construção de uma fábrica de celulose da Eldorado em Mato Grosso do Sul em 2012, Cleto disse ter sido beneficiado com R$ 1,68 milhão. A maior parte da propina, porém, ficaria com Cunha.

Derziê começou na Caixa em 1982 e, desde 2013, assumiu o comando de várias vice-presidências. Em 2015, foi trabalhar com Temer quando ele era vicepresidente e comandou a articulação política da ex-presidente Dilma Rousseff. Depois voltou à Caixa, mas foi exonerado em março de 2016 após o apoio de Temer e do PMDB ao impeachment de Dilma. Em dezembro, Derziê assumiu a Vice-Presidência de Governo do banco.

Em nota, a Caixa informou que está colaborando com as investigações. Disse que o empréstimo ao Eldorado seguiu as regras do banco e do mercado, e que a empresa não está inadimplente com a Caixa. O GLOBO também pediu ao banco uma posição do próprio Derziê, mas não houve resposta. A defesa de Cunha nega sua participação em irregularidades envolvendo o FI-FGTS.

O globo, n. 30513, 20/02/2017. País, p. 4