Governo pagou R$ 5,1 milhões por sistema que não funcionou

Renata Mariz 

17/02/2017

 

 

Empresa foi contratada para informatizar dados sobre penitenciárias

Sistema de dados teve que ser assumido por órgão do governo, que deverá coletar informações a serem repassadas pelos estados sobre cada unidade prisional

-BRASÍLIA- Com atraso e depois de ter pago R$ 5,1 milhões a uma empresa que não entregou o serviço conforme encomendado e se tornou alvo de um processo administrativo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública lançou ontem o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SisDepen). A plataforma, criada para suprir a falta de um banco nacional informatizado de dados da área carcerária, terá quatro módulos, mas somente o primeiro começará a ser alimentado pelos estados a partir da próxima segunda-feira com informações sobre os estabelecimentos penais.

A previsão é que o segundo módulo, cujo objetivo é reunir dados dos presos, como crime e pena, entre em funcionamento em breve. Os dois sistemas foram desenvolvidos pelo Serviço de Processamento de Dados (Serpro), que recebeu R$ 2,2 milhões pela parte do projeto já entregue. A empresa pública teve de ser acionada após o governo rescindir o contrato com a Stefanini Consultoria e Assessoria em Informática.

A empresa de informática foi contratada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2013 para desenvolver o SisDepen, com custo inicial de R$ 13,3 milhões. No ano seguinte, houve um aditivo no contrato, que passou para R$ 14,1 milhões, antes de ser encerrado. “O produto fornecido não foi aceito pelos critérios estabelecidos pela área requisitante e pela área técnica do Ministério da Justiça”, informou a pasta, em nota, ao GLOBO, o motivo do cancelamento.

O ministério explicou ainda que “a não aceitação do produto originou um processo administrativo contra a antiga contratada para a verificação dos fatos ocorridos”. Apesar de o produto entregue pela Stefanini Consultoria e Assessoria em Informática ter sido considerado inadequado, a empresa recebeu um terço (R$ 5,1 milhões) do valor total do serviço, de R$ 14,1 milhões.

A contratação frustrada com desperdício de dinheiro público foi alvo de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), que assinalou que “a estratégia delineada nos anos de 2013 e 2014, por meio de empresa de Tecnologia da Informação contratada pelo Ministério da Justiça, restou prejudicada, pela não entrega do produto satisfatório e apto ao atendimento da Lei”.

EMPRESA AFIRMA QUE É IDÔNEA

A Stefanini Consultoria e Assessoria em Informática consta da lista de empresas punidas com suspensão temporária de participar de licitação a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro, segundo informações do Portal da Transparência. O mesmo site aponta que essa sanção só se encerrará em julho deste ano, mas não traz detalhes sobre o que provocou a punição.

A empresa informou, em nota, que “é uma empresa idônea” e “que pode firmar contratos com quaisquer órgãos nas esferas Estadual e Federal”. “O que acontece é que o Portal da Transparência inclui tanto as empresas que possuem suspensão temporária de licitação como aquelas que foram declaradas inidôneas. No caso da Stefanini, há uma questão pontual com o Ministério Público do Rio de Janeiro, que apresentou uma suspensão de licitação porque a equipe da Stefanini não utilizou o uniforme nos primeiros dias de trabalho. A empresa já recorreu judicialmente porque a sanção foi aplicada de forma indevida e abusiva”, explicou a Stefanini.

Ainda dentro do projeto do SisDepen, o Ministério da Justiça comprou 1.028 computadores que estão sendo doados a 12 estados da região Nordeste e Sul. A medida é considerada fundamental, já que muitas penitenciárias não contam com equipamentos adequados nem com conexão à internet.

Mas esse é somente um dos gargalos. O outro é o treinamento dos servidores da área prisional nos estados, o que também será feito pelo governo federal. Há também resistência de alguns estados que têm sistemas informatizados próprios.

O SisDepen substituirá o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, conhecido pela sigla Infopen, hoje a base dos dados do sistema prisional que o governo federal tem, cuja última atualização é de dezembro de 2014. No Infopen, os estados respondem a um questionário, numa espécie de censo penitenciário, de seis em seis meses. O primeiro módulo do SisDepen também dependerá da alimentação de dados por parte dos gestores locais, mas de forma mais rápida, completa e compartilhada.

A coleta das informações penitenciárias acontecerá por ciclos, com datas para preenchimento, finalização e validação. O relatório estatístico é feito automaticamente após a validação de todos os formulários no SisDepen. No entanto, o funcionamento efetivo do sistema será gradual, pois demandará treinamentos, capacidade técnica dos estados, entre outros empecilhos.

O globo, n. 30510, 17/02/2017. País, p. 4