Risco de a PEC do foro encalhar na Câmara

Natália Lambert

28/04/2017

 

 

No prazo máximo de mais duas semanas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 10/2013, que extingue a prerrogativa de função para mais de 35 mil autoridades no Brasil, será aprovada pelo plenário do Senado em segundo turno. A iniciativa tomada por senadores nesta semana trouxe ânimo a grande parte da sociedade, mas, segundo especialistas, a expectativa é de que a proposta ainda passe um bom tempo nas gavetas da Câmara dos Deputados.Além do trâmite natural de uma PEC ser longo (veja quadro), o clima na Casa ao lado, na qual 10% dos deputados são réus no Supremo Tribunal Federal (STF) e mais de 200 são investigados, não é muito amistoso com o tema. Na opinião de um peemedebista investigado na Operação Lava-Jato, o Senado foi esperto ao jogar essa “bomba” no colo da Câmara. “Vai ter muito discurso e pouca ação. Não é do interesse de ninguém perder o foro, ainda mais neste momento”, comenta.O diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, acredita que a chance de os deputados aprovarem o fim do foro privilegiado é praticamente mínima. “Passou no Senado por uma situação muito específica, que foi atrelada ao projeto de abuso de autoridade. Com o tanto de investigados, eles estão preocupados em se salvar”, diz. O professor do mestrado de administração da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) Jésus de Lisboa Gomes é mais otimista. Segundo ele, o momento não permite que os deputados se esquivem de votar a PEC. “A pressão vai ser muito forte. Há um rancor e um desejo de vingança muito grande na sociedade, que, realmente, acredita que o fim do foro é uma solução para fazer com que os políticos corruptos paguem por seus crimes. Provavelmente, vão fazer modificações, mas não acredito que não vão aprovar o projeto”, prevê.Na opinião do próprio relator da matéria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a Câmara não tem ideia do problema que eles terão pela frente, já que a pressão popular está muito grande para que o privilégio acabe. “Eu, honestamente, espero que os deputados deem uma resposta adequada ao tema antes até de o Supremo se manifestar. É obrigação do Legislativo acabar com o foro por prerrogativa de função”, comentou.


No Supremo

O Supremo marcou para o fim de maio o julgamento de uma ação, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que diz que os detentores de foro privilegiado somente devem responder a processos criminais no STF se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato. No despacho, Barroso faz críticas ao sistema e afirma que ele é feito para não funcionar. Existem na Corte aproximadamente 500 processos contra parlamentares. “O prazo médio para recebimento de uma denúncia pelo STF é de 565 dias. Um juiz de 1º grau a recebe, como regra, em menos de uma semana, porque o procedimento é muito mais simples”, compara no texto.Para o coordenador do projeto Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ivar Martins Hartmann, a proposta de limitar o foro a crimes cometidos durante o cargo seria um passo importante, mas o projeto aprovado pelo Senado é a melhor alteração. Hartmann destaca dois motivos para o foro deixar de existir: a tramitação dos processos que não caminham no Supremo porque o tribunal não consegue julgá-los em tempo hábil, já que não foi feito para isso e porque ele acaba com uma longa cultura de privilégios no Brasil. “Temos uma elite que não é julgada da mesma forma que o cidadão brasileiro médio, que o eleitor. Se um juiz de primeira instância é bom o suficiente para um cidadão brasileiro, pagador de impostos, então, ele é bom o suficiente para um deputado ou um senador”, afirma.

Ministros investigados
A Comissão de Ética Pública da Presidência decidiu ontem, por unanimidade, abrir investigação contra os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), Eliseu Padilha (Casa Civil) e Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), por supostas infrações éticas no relacionamento com a Odebrecht. Os três ministros terão 10 dias para prestar esclarecimentos à comissão a partir da notificação, que deve ser feita no sábado. Padilha disse que só vai se pronunciar quando for notificado oficialmente sobre a decisão. O ministro Moreira Franco afirmou que não recebeu “nenhuma comunicação oficial”. Kassab afirmou que “sempre pautou sua atuação pela ética e pelo cumprimento da legislação.”


Um longo caminho
» A proposta que acaba com a prerrogativa de foro, aprovada em primeiro turno no Senado, ainda precisa ser aprovada em segundo turno e, em seguida, vai para a Câmara dos Deputados. Confira o trâmite:

» Ao chegar à Câmara, a proposta de emenda à Constituição (PEC) será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para que seja aprovada a admissibilidade.

» Ao sair da CCJ, a Mesa Diretora cria comissão especial para analisar o mérito, que tem, no máximo, 40 sessões para apreciar um parecer.

» Aprovada na comissão, o texto vai a plenário para ser apreciado também em dois turnos, com prazo mínimo de cinco sessões entre eles.

» Se a Câmara alterar o texto aprovado no Senado, ele tem que voltar para análise dos senadores. Existe ainda a chance de se criar um efeito pingue-pongue, já que, no caso de uma PEC, é necessário consenso entre as duas Casas. Quando isso ocorre, normalmente, os pontos em comum são promulgados e os outros ficam de fora e viram objeto de uma nova PEC.

“Vamos esperar chegar e organizar”
Além da PEC que extingue o foro privilegiado, a Câmara terá de encarar outro debate polêmico pela frente, o PLS 280/16, que redefine os crimes de abuso de autoridade. Aprovado pelo Senado, em um dia considerado “histórico” pelos parlamentares, o texto, apesar de ter sido alterado em diversos pontos polêmicos, ainda está sendo muito criticado por membros do Ministério Público e magistrados, especialmente, investigadores da Operação Lava-Jato.O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem que ainda não teve tempo de pensar como se dará a tramitação da matéria, mas disse que discutirá o tema com os líderes partidários na semana que vem. “Vamos esperar chegar e organizar. Talvez o caminho de uma comissão especial, fazer o debate. Ainda não estou com o tema organizado”, comentou.Ainda reticente em relação a alguns pontos do projeto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, destacou os avanços alcançados no Senado e se colocou à disposição da Câmara para colaborar com a elaboração de um texto que não abra possibilidade de interpretações dúbias. Na prática, procuradores da República criticam termos genéricos em artigos que podem intimidar a atuação, entre eles, alguns que tratam de prisão preventiva, condução coercitiva e mandado de prisão.O procurador regional da República em Brasília Bruno Calabrich ressalta expressões como “manifestamente cabível” para justificar o que será crime. “Essa expressão é fora da técnica do direito penal e, por causa de expressões assim, genéricas, o texto continua a criminalizar a hermenêutica apesar da ressalva no artigo 1º. Falhas graves ainda podem coibir a atuação em grandes investigações, por exemplo, a Lava-Jato’, comenta. Na opinião do presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Fábio Tofic Simantob, o texto final ficou bom e foi fruto de um consenso natural do jogo legislativo. “Acho que a Câmara deveria aprová-lo sem ressalvas, até para não fazer ele voltar para o Senado”, defende. (NL)

 

 

Correio braziliense, n. 19694, 28/04/2017. Política, p. 4.