Liberdade de Dirceu, Reação da Lava-Jato

Paulo de Tarso Lyra

03/05/2017

 

 

 

Segunda Turma do Supremo concede habeas corpus para o ex-ministro do governo Lula,mas procuradores que investigam o petrolão criticam a medida. Ministro Gilmar Mendes sobe o tom contra a força-tarefa do MP

 

Preso desde agosto de 2015, o ex-ministro e ex-deputado José Dirceu teve a liberdade concedida, por 3 votos a 2, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, o mesmo colegiado que havia liberado, na semana passada, o pecuarista José Carlos Bumlai e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu. Votaram a favor do petista os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Para Celso de Melo e Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, Dirceu deveria permanecer preso.A decisão do STF recebeu muitas críticas dos procuradores da Lava-Jato. “Esperamos que o período dele fora da prisão seja curto”, declarou o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa em Curitiba. Dirceu já foi condenado em primeira instância a 31 anos de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.Para voltar à prisão, agora, precisará ter uma condenação mantida em segunda instância — no caso da Lava-Jato, no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Para os investigadores, a decisão foi mais um duro golpe contra a investigação de corrupção do escândalo Petrobras, iniciada há três anos, em Curitiba. “O que está acontecendo é a destruição lenta de uma investigação séria. Infelizmente, acreditam que a população não está mais atenta, talvez anestesiada pela extensão da corrupção”, afirmou Carlos Fernando.

“O Supremo Tribunal Federal é a mais alta Corte do país. É nela que os cidadãos depositam sua esperança, assim como os procuradores da Lava-Jato. Hoje, contudo, essas esperanças foram frustradas. Mais ainda, fica um receio”, alertou Deltan Dallagnol. “Na Lava- Jato, os políticos Pedro Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde abril de 2015, assim como João Vaccari Neto e Marcelo Odebrecht, desde junho de 2015. Os ex-diretores Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015. Todos há mais tempo do que José Dirceu. Isso porque sua liberdade representa um risco real à sociedade.”Os ministros da Segunda Turma do STF deixaram a cargo do juiz Sérgio Moro, que comanda a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, definir penas alternativas ao ex-ministro, como o uso de tornozeleiras eletrônicas, por exemplo. “Não podemos nos ater, portanto, à aparente vilania dos envolvidos para decidir acerca da prisão processual”, declarou Mendes ao dar seu voto, acrescentando ainda que a missão da Corte é aplicar a Constituição, mesmo que “contra a opinião majoritária”.

Nova denúncia
Vários fatores pesaram a favor de Dirceu. Um deles é o entendimento de que prisões só são obrigatórias a partir de condenações em segunda instância. Mas um dos fatores preponderantes foi a nova denúncia apresentada ontem contra o petista pelos procuradores do Paraná. Eles afirmaram que Dirceu foi beneficiário de propinas de R$ 2,4 milhões entre 2011 e 2014, pagas pela UTC e pela Engevix. Da quantia total, R$ 900 mil partiram da Engevix e foram usados para pagar uma empresa de comunicação, a Entrelinhas.O restante — R$ 1,5 milhão — foi repassado, conforme os procuradores da República, pela UTC para a JD Assessoria, que pertence a José Dirceu. “O dinheiro foi usado para limpar ou para tentar limpar a imagem de José Dirceu durante o julgamento do mensalão”, afirmou o procurador Júlio Motta Noronha durante a coletiva de imprensa sobre a nova denúncia.Os procuradores não esconderam que resolveram apresentar a denúncia — que já estaria madura, segundo eles — para tentar influenciar o julgamento do habeas corpus ontem à tarde. “A liberdade de Dirceu representa um grande risco à sociedade, tanto em razão da gravidade concreta dos crimes praticados quanto em razão da reiteração dos crimes e ainda em função da influência que ele tem no sistema político-partidário”, justificou Deltan Dallagnol.A escolha da data da denúncia foi bastante criticada por Gilmar Mendes. “Se nós devêssemos ceder a este tipo de pressão, quase que uma brincadeira juvenil, nós deixaríamos, ministro Lewandowski, de ser ‘supremos’. Nem um juiz passaria a ser ‘supremo’. Seriam os procuradores. Quanta falta de responsabilidade em relação ao Estado de Direito. O Estado de Direito é aquele em que não há soberanos, todos estão submetidos à lei”, afirmou Gilmar Mendes. “Não se pode imaginar que se pode constranger o Supremo Tribunal Federal, porque esta Corte tem uma história mais do que centenária. Ela cresce neste momento. Esta é a sua missão institucional”, continuou o ministro, em seu voto.

 

 

Correio braziliense, n. 19699, 03/05/2017. Política, p. 2.