Apelo por acordo 
Miguel Caballero 
11/02/2017
 
 
Governo anuncia compromisso com associações de PMs, mas classe está dividida

-VITÓRIA- O governo do Espírito Santo anunciou, na noite de ontem, que chegou a um acordo com as quatro principais associações de policiais militares para encerrar, às 7h de hoje, a greve que deixa o estado sem policiamento desde o sábado passado. O compromisso é que, em troca de voltarem ao trabalho, os policiais sejam perdoados — à exceção dos que já foram indiciados —, sem sofrer processos criminais e disciplinares. Não há promessa de aumento, apenas um sinal de que a situação poderá ser discutida novamente daqui a alguns meses. Resta saber, porém, se as tropas vão aceitar.

Desde o início do movimento de bloqueios dos batalhões pelas mulheres de PMs, as entidades de classe perderam liderança sobre os policiais aquartelados. Na madrugada de ontem, uma reunião da comissão de negociação do governo estadual com as mulheres não chegou a acordo. Ontem, o governo se reuniu apenas com as associações de PMs antes do anúncio.

As próprias associações reconhecem que não podem dimensionar que influência têm atualmente entre PMs aquartelados. A paralisação não teve participação das entidades e surgiu das mulheres de PMs articuladas com os próprios policiais, a maioria novos praças.

— O que estamos fazendo com este acordo é abrir uma porta de saída para os PMs neste momento difícil. Nós não organizamos o movimento. Eles têm a chance de resolver o impasse e escapar de punições pesadas, como prisão e expulsão. Esperamos que aproveitem a chance e retornem — disse o major Rogério de Lima, presidente da Associação dos Oficiais Militares do Espírito Santo.

TEMER CRITICA PARALISAÇÃO

Enquanto o governo fazia mais uma súplica aos policiais, as mulheres ameaçavam, nas portas dos batalhões, a continuidade do movimento. Desde o início da paralisação, 121 pessoas foram assassinadas no estado, segundo a Polícia Civil. O secretário estadual de Direitos Humanos, Júlio Pompeu, porta-voz do governo nas negociações, fez um apelo aos policiais após o fim do encontro com as associações:

— Aqueles policiais que abandonarem o movimento até as 7h da manhã e retornarem com suas atividades não sofrerão processos administrativos. Faço novamente um apelo, em nome da gloriosa história da Polícia Militar. Faço este apelo para que os policiais voltem às suas atividades. São eles (os policiais) que fizeram o juramento, que têm o dever de proteger, que se arriscam, que podem sofrer as punições. São eles, e não suas esposas. Faço o apelo aos nossos policiais: conversem com suas esposas, voltem às atividades.

As associações prometeram virar a madrugada tentando convencer policiais a saírem dos batalhões às 7h. Os PMs que não voltarem às ruas às 7h serão alvo de processos. Na manhã de ontem, a Secretaria de Segurança anunciou que havia indiciado 703 PMs por crime de revolta, quando há insubordinação em grupo e armada às ordens superiores. A pena em caso de condenação pode variar de oito a 20 anos de prisão.

O documento divulgado pelo governo afirma que as negociações com o grupo serão retomadas no fim deste quadrimestre, quando os resultados fiscais já estiverem consolidados. O estado vinha argumentando que não havia espaço para aumentos salariais por causa da crise econômica.

As autoridades afirmaram que vão apresentar um cronograma para que as promoções previstas em lei e ainda não efetivadas sejam cumpridas até o fim do ano. Houve ainda a promessa de que uma comissão será formada para avaliar a carga horária de trabalho de policiais e bombeiros. O documento divulgado pelo governo após o fim do encontro fez uma ressalva sobre a situação das contas do estado: “Não obstante as barreiras legais intransponíveis relacionadas à questão financeira do estado e sensível às demandas dos servidores, o governo compromete-se a, ao fim do primeiro quadrimestre de 2017, apurados os resultados fiscais, apresentá-los aos policiais e bombeiros militares, bem como às demais carreiras do estado, para que seja dado prosseguimento às negociações”, diz o documento, assinado pelos secretários de Fazenda, Casa Civil, Direitos Humanos e Controle e Transparência.

Na tarde de ontem, o presidente Michel Temer chamou de “inaceitável” a paralisação de policiais. Em nota, afirmou que o governo federal enviará militares aos estados, como fez em relação ao Espírito Santo, sempre que houver necessidade, para que a população não fique “refém” de movimentos grevistas.

“O estado de direito não permite esse tipo de comportamento inaceitável. O presidente conclama aos grevistas que retornem ao trabalho como determinou a Justiça e que as negociações com o governo transcorram dentro do mais absoluto respeito à ordem e à lei, preservando o direito e as garantias do povo que paga o salário dos servidores públicos, sejam eles civis ou militares”, informou, em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência.

Antes do anúncio do acordo que pode encerrar a greve, o governo havia indiciado os 703 policiais. Segundo o comandante-geral da PM, Nylton Rodrigues, não há oficiais na lista. A identificação foi feita da seguinte forma: desde segunda-feira, havia a determinação do comando da PM, numa escala, para que os policiais fossem de casa aos postos de trabalho, sem precisar ir ao batalhão. Os que não cumpriram a ordem e foram aos batalhões, onde estão aquartelados, foram indiciados. O secretário de Segurança Pública e Defesa Social, André Garcia, acrescentou que há uma investigação sobre a participação de policiais em crimes cometidos na Grande Vitória na última semana, inclusive homicídios. Garcia citou alguns casos, como o assassinato do líder do sindicato dos rodoviários de Guarapari na quinta-feira:

— Investigamos ocorrências para saber se há relação com este movimento de paralisação . Tivemos um atentado à Rede Gazeta. Houve repórteres ameaçados. Tivemos homicídios com causas que, aparentemente, serviriam a interesses. Tivemos ameaças a motoristas de ônibus. O assassinato da liderança sindical é outro crime muito suspeito.

O globo, n. 30504, 11/02/2017. País, p. 3