Corpo a corpo - Julio Pompeu

Miguel Caballero

11/02/2017

 

 

‘Houve uma total quebra de hierarquia’ Julio Pompeu - Secretário de Direitos Humanos do estado é o negociador do governo para contornar o impasse com a PM

-VITÓRIA- No centro da crise da violência no Espírito Santo, com a PM de um lado e o governo do outro, está um personagem sem carreira e história na política. A atuação como negociador em dois episódios recentes no estado — a ocupação da sede do governo, pelo MST, e o movimento Ocupa Escola por estudantes, ambos ano passado — levou o secretário estadual de Direitos Humanos, Julio Pompeu, a ser escalado pelo governador licenciado Paulo Hartung como seu principal interlocutor nas negociações com mulheres e associações de PMs. Professor de Ética na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), formado em Direito com doutorado em psicologia, Pompeu conta os bastidores da mesa de negociação.

O senhor esteve em duas longas reuniões com mulheres de PMs. Qual sua percepção delas?

A primeira coisa que salta aos olhos é a idade. Uma faixa etária que a média não chega a 30 anos. O que nos permite deduzir que os maridos são policiais novos. E não é fácil lidar com a pressão. São meninas, cansadas. Com sono, fome, sem tomar banho, na porta do batalhão. Um grêmio estudantil com o peso do mundo nas costas delas. Que racionalidade pode sair daí? Estamos tentando dizer para a tropa: vocês ficam se escondendo atrás delas?

Quais foram os momentos mais tensos da reunião de quinta?

Elas ficaram mais tensas quando dissemos que nossa proposta estava dada e que as tropas tinham até as 6h da manhã (de ontem) para voltar às ruas. Que se não voltassem, iniciaríamos a aplicação da lei. Nós sentamos com elas e com as associações (de policiais). Para estas, está claro que passaram do limite, que o recado foi dado. Olha só a situação: na reunião, um líder de associação inicia um tom de acordo e diz, por exemplo, "Gente, há riscos, já deu". Elas mandam no WhatsApp: "Eles estão alinhados com o governo.". Lá fora, quem recebe o "zap", centenas de uma vez, começa a mandar ameaças, inclusive de morte, para os caras: "Seus vendidos etc.".

O que o governo sabe do que se passa nos quartéis?

Já houve na tropa uma total quebra da hierarquia. A PM é baseada em três valores: hierarquia, disciplina e honra. As duas primeiras já foram para o espaço. No quesito hierarquia, nós chegamos aos oficiais: "Botem seus soldados na rua". Muitos deram a ordem e foram ignorados. Outros nem deram a ordem para não se desmoralizar. Além dos oficiais que incentivam. Dentro, perdeu-se hierarquia. E fora também. As associações já não exercem a mesma liderança sobre eles. Os quarteis estão num conflito entre a sensatez de quem quer voltar às ruas e a insensatez de um movimento que já perdeu o sentido. Todo mundo já entendeu o recado.

O que esse os praças dizem quando os superiores pedem para voltar às ruas?

Não há mais cadeia hierárquica. O principal argumento é ressentimento.

Ressentimento de quê?

Contra a sociedade que não valoriza o policial. Que tem um trabalho difícil, ganha mal e morre pela sociedade. Eles trabalham com regime disciplinar duríssimo, em que um policial pode ser preso porque não engraxou o sapato. (Miguel Caballero)

O globo, n. 30504, 11/02/2017. País, p. 3