Corrida ao STF para escapar da prisão

Paulo de Tarso Lyra

04/05/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Enquanto os detidos em Curitiba apelam ao Supremo em busca do mesmo benefício do ex-ministro José Dirceu, a força tarefa de Curitiba pressiona o Tribunal Regional Federal para que os condenados em primeira instância continuem atrás das grades

 

A decisão favorável da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que liberou o ex-ministro José Dirceu na tarde de terça-feira, provocará uma corrida de advogados, réus e envolvidos nas investigações aos dois polos extremos de decisões colegiadas da Lava-Jato. Enquanto os detidos em Curitiba e no Rio apelarão para o STF em busca do mesmo benefício, procuradores da força-tarefa em Curitiba pressionarão o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª região para que os condenados em primeira instância continuem presos.

O advogado de um dos interessados diretos nos mais recentes desdobramentos jurídicos acredita que esse embate vai se acentuar, acirrando o antagonismo entre os procuradores e os defensores dos acusados. “A tendência de se acelerar os julgamentos das apelações é muito provável, até mesmo porque o relator no TRF da 4ª região, João Pedro Gebran Neto, é muito afinado com o Moro (Sérgio Moro, responsável pelas condenações em primeira instância)”, disse o defensor de um dos réus detidos em Curitiba.

Um dia depois da decisão favorável a Dirceu, a assessoria do TRF divulgou um balanço afirmando que, das 28 sentenças definitivas proferidas em primeira instância, 18 apelações de mérito contra as sentenças condenatórias chegaram ao tribunal. Metade já foi julgada pela 8ª Turma, especializada em matéria penal, e as demais são recentes e estão sendo preparadas para julgamento. Levantamento do Correio revela que, dos 432 habeas corpus, apenas 17 foram aceitos pelo TRF — menos de 4%.

No caso de Dirceu, por exemplo, que foi condenado em maio do ano passado, a apelação chegou ao TRF no dia 29 de agosto. Desde janeiro deste ano, o processo vem sendo analisado por João Pedro Gebran Neto. O mesmo procedimento acontece com pedidos do pecuarista José Carlos Bumlai, do ex-tesoureiro do P, João Cláudio Genu (ambos libertados na semana passada) e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Integrantes do corpo técnico do tribunal afirmaram que o TRF da 4ª região — assim como o próprio STF — não está dedicado exclusivamente a analisar a Lava-Jato. Foram constituídas turmas avançadas no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina para tentar agilizar os processos. Mas, com o volume de trabalho na mesa dos desembargadores, é possível que a situação de Dirceu, de Genu e de Bumlai nem sequer seja revisada ainda este ano.

Para o advogado criminalista Pedro Parente, tanto o TRF quanto o STF devem ter uma posição de cautela daqui por diante. Ele não acredita que as recentes liberações de Dirceu, Genu, Bumlai e do empresário Eike Batista possam ser consideradas uma tendência. “Eles vão analisar caso a caso. Ficou claro que a situação de Dirceu era específica”, declarou Parente.

Ele afirma que, no caso de Dirceu, não havia razões para a manutenção da prisão. Entre o crime cometido e a respectiva prisão, passou-se um ano, período no qual ele não delinquiu. Além disso, o PT do qual ele faz parte está em sua maioria detido e os agentes políticos com os quais ele militava deixaram o poder, impedindo-o de atuar na Petrobras.

O criminalista Luis Henrique Machado acrescentou que o STF entendeu que a prisão preventiva não pode ser usada como um julgamento antecipado. E que esse instrumento não pode ser utilizado ad eternum, indefinidamente. Mas ele não acredita, assim como Parente, que todas as decisões serão semelhantes daqui para frente. “Não devemos encarar o resultado da segunda turma como um salvo-conduto, um alvará de soltura para todos os envolvidos na Lava-Jato”, declarou Luis Henrique. O criminalista acrescenta que tanto a Suprema Corte quanto o TRF não vão ceder a pressões. “A fala de Gilmar Mendes sobre a institucionalidade é exemplar”, elogiu.

 

Carceragem

O ex-ministro José Dirceu deixou a sede da Justiça Federal em Curitiba ontem, por volta das 17h15, após colocar tornozeleira eletrônica. Ele parou em um condomínio perto do Parque Tingui, ainda na capital paranaense, antes de seguir para Brasília, onde ficará em endereço sob sigilo a pedido da defesa. Não há informações detalhadas sobre essa parada.

“A gente não está passando informações e pede que todo mundo entenda, para evitar qualquer transtorno, qualquer incidente maior que possa acontecer. Aqui tem muita torcida, de um lado e de outro. A gente quer tentar que isso seja algo mais tranquilo”, disse o advogado de Dirceu, Roberto Podval. Colaborou Renato Souza

 

A lista

Quem são os 22 presos condenados na Lava-Jato que ainda não tiveram julgamento na segunda instância

 

Adir Assad

Adir Assad, empresário e lobista, investigado como operador de propina pela Lava-Jato, no escândalo da transposição do São Francisco, nas operações Saqueador e Que país é este e como beneficiário do setor de operações estruturadas da Odebrecht.

 

Antônio Palloci

Ex-ministro de Lula e de Dilma, coordenador das campanhas petistas em 2002 e 2010. Denunciado por corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro.

 

André Vargas

Ex-vice-presidente da Câmara, foi condenado, em um primeiro momento, a  14 anos e 4 meses de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em abril de 2017, foi novamente condenado a 4 anos e 6 meses por lavagem de dinheiro.

 

Bruno Luz

Preso na 38ª fase da Lava-Jato, foi denunciado por corrupção e lavagem por atuar na contratação do navio-sonda Petrobras 10.000, que rendeu propina de US$ 15 milhões a políticos do PMDB e a funcionários da estatal.

 

Carlos de Carvalho Miranda

O pernambucano é sócio de Sérgio Cabral na SCF Comunicação, a empresa de comunicação que Cabral criou em 2003 com as iniciais do próprio nome. É apontado como o homem da mala de dinheiro entregue pela Andrade Gutierrez ao ex-governador.

 

Eduardo Cunha

Ex-presidente da Câmara, foi condenado a 15 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão.

 

Flavio Henrique Macedo

Um dos donos da Credencial Construtora Empreendimentos e Representações, é acusado de ter montado empresa para viabilizar o pagamento de propina a Dirceu.

 

João Augusto Rezende Henriques

Foi preso em meio à 19ª fase da Lava-Jato, cujo nome é Ninguém Dorme, acusado de ser lobista do PMDB com forte influência na diretoria internacional da Petrobras, pois era próximo do ex-diretor Jorge Zelada.

 

João Vaccari Neto

Ex-tesoureiro do PT, a primeira condenação foi a 15 anos e 4 meses de prisão por corrupção, lavagem e associação criminosa. Depois, voltou a ser condenado a 6 anos e 8 meses por corrupção passiva.

 

Gim Argello

Ex-senador pelo PTB, foi condenado a 19 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem e obstrução à investigação.

 

Jorge Luz

Foi denunciado por corrupção e lavagem por ter atuado na contratação de navio-sonda.

 

Jorge  Zelada

Ex-diretor internacional da Petrobras, foi condenado a quatro anos por fraude em licitação e a 12 anos pelos crimes de corrupção passiva e lavagem.

 

José Antunes Sobrinho

Ex-diretor da Engevix, é suspeito de repassar R$ 765 mil para o ex-presidente da Eletronuclear vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Perdeu o direito à prisão domiciliar em decisão do habeas corpus.

 

Pedro Correa

Ex-presidente do PP, foi condenado anteriormente no esquema do mensalão. No Petrolão, foi condenado a 20 anos por lavagem de dinheiro.

 

Raul Schmidt

O cidadão português Raul Schmidt é lobista e acusado de operar a distribuição de dinheiro de propinas aos ex-diretores da Petrobras Jorge Zelada, Renato Duque e Nestor Cerveró.

 

Renato Duque

Ex-diretor de serviços da Petrobras, foi condenado a mais de 40 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

 

Rene Luiz Pereira

Traficante e doleiro, foi a primeira condenação da Lava-Jato: 14 anos por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e evasão de divisas

 

Rodrigo Duran

Advogado, foi preso em Madri,  suspeito de ser um dos operadores das offshores criadas pelo 'departamento de propina da Odebrecht', que teria recebido R$ 36 milhões de empreiteiras investigadas na Lava-Jato, entre elas, a UTC e Mendes Júnior.

 

Sergio Cabral

Ex-governador do Rio, é réu sete vezes por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e por chefiar uma organização criminosa para fraudar licitações.

 

Sleiman Nassin El Kobrossy

Também conhecido como Salomão, é acusado de atuar no mercado negro de câmbio para pagamento de cocaína na Bolívia.

 

Wilson Carlos

Ex-secretário de governo de Sérgio Cabral, é ligado a um esquema de propina nas obras do Comperj, Arco Metropolitano e urbanização no Conjunto de Favelas de Manguinhos.

 

 

Correio braziliense, n. 19670, 04/05/2017. Política, p. 2.