Ciclo interrrompido

Paulo de Tarso Lyra

08/05/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Condenados na Lava-Jato aguardam o resultado do depoimento do ex-presidente Lula, na quarta-feira, e o julgamento do habeas corpus do ex-ministro Antonio Palocci para decidir se fecham acordo de delação premiada com procuradores

 

 

A semana que começa é vista como uma das mais importantes para o futuro do Partido dos Trabalhadores desde que a Lava-Jato começou, em 2014, a identificar irregularidades em contratos milionários nos 13 anos de governo da legenda. Isso porque três petistas considerados figuras centrais no esquema de desvios de recursos na Petrobras, o ex-diretor da estatal Renato Duque, o ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto e o ex-ministro Antônio Palocci, esperam os resultados do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira, e o julgamento do habeas corpus de Palocci no Supremo Tribunal Federal (STF) — ainda sem data marcada —, para decidir se fecham acordo de delação premiada.

Como o pedido de liberdade do ex-ministro José Dirceu foi concedido pela 2ª Turma do STF, o julgamento de Palocci é considerado mais representativo para os próximos passos das investigações, pois será analisado por todos os ministros da Corte. Caso seja seguido o entendimento que beneficiou Dirceu, crescem as chances de potenciais delatores recuarem, uma vez que poderão vislumbrar a possibilidade de deixar a cadeia. O relator da Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, decidiu encaminhar o caso do ex-ministro da Fazenda ao plenário depois que a maioria da 2ª Turma, composta por cinco magistrados, se posicionou de maneira contrária às prisões preventivas alongadas impostas por Moro em três oportunidades.

Apesar de ter uma batalha mais árdua que Dirceu na Suprema Corte, Palocci, que já tinha demonstrado disposição em colaborar, mudou o ritmo e estuda as opções que tem à frente. A tendência é que reavalie a decisão de fechar uma delação premiada. Para Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), as sentenças proferidas nas últimas semanas beneficiando réus da Lava-Jato demonstram um incômodo da Suprema Corte com a possibilidade de se manter encarcerados presos que ainda não foram condenados em segunda instância. “Não acredito que isso vá se manter como tendência daqui para frente”, ponderou Toninho.

Condenado duas vezes na Lava-Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto ainda resiste em falar. Os procuradores apostam numa colaboração premiada do petista já que, segundo as investigações, ele seria “o homem do ex-presidente Lula” no esquema da Petrobras. Já Renato Duque, pelo menos com base no depoimento que prestou na última sexta-feira ao juiz Sérgio Moro, passou a impressão de não ter refluído da decisão de contar o que sabe. “Lula sabia de todo o esquema de corrupção na Petrobras. E tinha comando sobre tudo”, admitiu Duque, colocado na Petrobras pelo PT. “Eu fui chamado a Brasília e essa pessoa (Paulo Bernardo) falou assim: ‘Olha, você vai conhecer uma pessoa indicada pelo (faz o gesto de coçar a barba)...’. Ele fazia esse movimento, não citava o nome. O presidente Lula era conhecido como chefe, grande chefe, nine ou esse movimento com a mão (de coçar a barba)”, falou Duque, perante Sérgio Moro. O depoimento servirá de base, inclusive, para Moro questionar Lula na próxima quarta-feira.

Professor de ciência política da Fundação Getulio Vargas, Sérgio Praça lembra que, mesmo que outros réus da Lava-Jato recuem do ímpeto de prestar delação premiada, isso não significa que o PT e os governos de Dilma e Lula possam sentir-se mais aliviados. “Tanta coisa já foi dita e revelada que há elementos suficientes para se analisar os fatos. Eu acho, inclusive, que, no caso de Palocci, instituições do Sistema Financeiro Nacional deveriam ficar mais preocupadas do que Lula e Dilma”, completou o professor da FGV-RJ. O deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), um dos petistas mais próximos do ex-presidente Lula, afirmou que o PT soube assimilar o desgaste, a pancadaria, dos últimos meses e, ainda assim, aparece bem nas pesquisas. “Quem quiser falar algo, achar que deve falar, pode falar. Se cometeu algum crime, que pague por ele. Mas não pode combinar uma delação premiada e depois ficar mudando a toda a hora”, afirmou o deputado.

 

Atenção

A situação do PT é tão delicada que até mesmo a libertação de José Dirceu da cadeia é vista com reserva por parlamentares da legenda. O ex-ministro aguarda julgamento em liberdade, em Brasília, no apartamento da namorada, no Sudoeste. O problema é que ele já emitiu sinais de que pretende operar politicamente na legenda. Trabalhará pela candidatura da senadora Gleisi Hoffman (PR) à presidência do PT e defendeu que o partido faça uma oposição aguerrida. Qual o problema disso? Na visão de petistas renomados, atrairá ainda mais antipatia para a legenda. “O PT está em uma tentativa de reconstrução, com Lula subindo nas pesquisas de intenção de voto. Dirceu é considerado o ‘bandido número 1 do país’ por parte da população, que vai dizer, agora, que ele está dando as cartas no partido novamente”, lamentou um petista. Colaborou Matheus Teixeira

 

Frase

"A ampla defesa permite todos os argumentos, é direito de qualquer réu alegar o que quiser. A Justiça — independente e técnica — decidirá”

José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

 

 

Correio braziliense, n. 19704, 08/05/2017. Político, p. 6.