Com queda na inflação, redução da meta para 2019 entra no radar

Gabriela Valente 

11/02/2017

 

 

Equipe econômica vê momento oportuno para discussão. No mercado, analistas já sugerem 4% como referência

Com a inflação cedendo e a previsão de analistas do mercado de que ficará abaixo da meta oficial para este ano, que é de 4,5%, cresce o debate, nos bastidores do governo e também entre os economistas, sobre a conveniência de se reduzir a meta a longo prazo. Numa conferência com investidores no fim do mês passado, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, deu a primeira sinalização neste sentido. Ele disse que, a longo prazo, o Brasil caminhará para ter uma meta compatível com outros países emergentes, que têm uma inflação perto de 3% ao ano.

Desde 2005, o governo persegue o objetivo de manter a inflação abaixo de 4,5%. Para o ano que vem, a meta também é esta. Mas os parâmetros para 2019 serão definidos até junho, em reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN). A avaliação do governo é que uma redução da meta ajudaria a dar uma sensação de maior estabilidade na economia para a população.

BANCO PREVÊ IPCA DE 3,8% EM 2018

Para a equipe econômica, o momento atual se parece com o de uma década atrás, quando o país perdeu a oportunidade de reduzir a meta de inflação. Naquela ocasião, o IPCA encerrara 2006 em 3,2%, menor taxa desde o início do regime, em 1999, e as expectativas para 2007 e 2008 estavam abaixo do objetivo central de 4,5%.

— Se chegarmos ao meio deste ano com a inflação corrente de 2017 abaixo da meta, e as expectativas para 2018 e 2019 estiverem no mesmo caminho, aí teremos uma oportunidade (de baixar a meta) — afirmou uma fonte do governo.

Em 2015, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, usado nas metas de inflação) chegou a 10,67%. No ano passado, ficou em 6,29%. E a atual previsão dos analistas para este ano é de 4,67%, mas alguns bancos já estimam um IPCA abaixo de 4% em 2017. Ou seja, a queda da inflação e das expectativas foi acelerada.

Entre os analistas do mercado, também há a percepção de que a meta de inflação pode ser reduzida. Em relatório divulgado ontem, o Itaú afirma que “expectativas ancoradas e um disseminado movimento de desinflação criam uma oportunidade de reduzir a meta de inflação”. Para o Itaú, a meta poderia ser de 4% em 2019. O banco prevê um IPCA de 4,4% este ano e de 3,8% em 2018. E destaca que, na média, o mercado prevê que a inflação fique no centro da meta em 2018, “refletindo a crescente convicção dos agentes econômicos de que o Banco Central tomará medidas para garantir que o IPCA irá, de fato, convergir para meta”.

O Itaú destaca ainda que a inflação acumulada em 12 meses vai gradualmente recuar este ano. Em junho (quando o CMN define a meta para 2019) estará em 4,1% e chegará em setembro em 4%.

Além do recuo da inflação, é motivo de comemoração no governo, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, o fato de a arrecadação ter começado a reagir no início deste ano, o que indicaria uma volta da atividade econômica. A avaliação desses integrantes do governo é que a confiança dos brasileiros deve aumentar na esteira da volta do emprego, de uma melhora na competitividade, por causa das medidas microeconômicas, e do controle da inflação. O cenário de dificuldades de caixa e calotes em série de empresas, que derrubou os balanços dos bancos em 2016, pode estar começando a ficar para trás. Estudo do banco Santander avalia que a aceleração da queda dos juros permitirá que as companhias reduzam mais rapidamente seus níveis de endividamento, o que abriria caminho para que elas voltassem ao mercado de crédito ainda este ano, antes do que projetam os analistas.

Autor do estudo, o economista Everton Gomes afirma que, apesar do ceticismo do mercado, que entende que o endividamento ainda alto das companhias as impede de voltar a buscar crédito, o caminho para novos empréstimos não está totalmente obstruído.

— Os juros muito elevados fazem as empresas comprometerem muito o faturamento para pagar o serviço da dívida. E, quando os juros caem, o impacto é muito grande, especialmente aqui no Brasil — diz.

Gomes estima que o total de empréstimos no país voltará a subir este ano, embora talvez não ainda em termos reais. Mas deve acelerar em 2018.

RETOMADA POR PESSOAS FÍSICAS

O Santander projeta um avanço médio de 3,4% do crédito no sistema financeiro este ano, ainda abaixo da inflação, que deve ficar em torno de 4,5%. No mercado, os analistas são mais cautelosos em relação à retomada do crédito pelas empresas.

O economista-chefe da Serasa Experian, Luiz Rabi, ressalva que 2016 terminou melhor em termos de indicadores de inadimplência para pessoas físicas do que para as empresas. Os dados da Serasa mostram que, em dezembro, havia 59,6 milhões de pessoas inadimplentes no país frente aos 60,4 milhões de janeiro de 2016.

Entre as empresas, os dados da Serasa mostram tendência contrária. Eram 4 milhões de empresas inadimplentes em janeiro do ano passado — número que atingiu 4,6 milhões em dezembro.

— Acredito que o crédito não vai crescer em termos reais este ano. Deve ficar próximo de zero. Mas a retomada virá pelas pessoas físicas, segmento em que as coisas começam a se normalizar, e as pessoas podem voltar a tomar empréstimos — explica Rabi.

Nos bancos privados, o Santander estima que o crédito deve avançar 6% no ano, enquanto nos públicos a estimativa é de expansão de apenas 1%, em razão da menor oferta pelo BNDES.

No Itaú, a previsão é que os empréstimos fiquem estáveis ou cresçam 4%, na melhor das hipóteses, enquanto no Bradesco a estimativa é de elevação entre 1% e 5%. O Santander não divulga projeções de crescimento de sua carteira.

No estudo, para embasar sua tese de uma retomada mais célere, o economista do Santander destaca, ainda, o fato de que, no Brasil, o total de empréstimos ao setor privado, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), é muito menor que em outros países.

Enquanto no Japão, por exemplo, o crédito ao setor privado representa 194% do PIB, e na China, 155%, no Brasil essa relação é de 68%. Por isso, afirma Gomes, o processo de desalavancagem aqui é mais curto. Dessa forma, com os juros caindo mais rapidamente, as empresas terão mais facilidade de renegociar dívidas, a taxas menores.

Gomes lembra que, com a recessão estancada e a retomada gradual da economia, a geração de caixa das empresas tende a melhorar, e, na esteira desse movimento, os investimentos podem ser retomados. O Santander projeta expansão de 0,7% no PIB este ano, com alta de 3,5% nos investimentos.

— Com a melhora da atividade econômica, a confiança das empresas e dos consumidores deve aumentar, em resposta também à inflação mais baixa e às taxas de juros decrescentes — diz o economista.

Rabi, da Serasa Experian, concorda que a queda de juros deve ajudar as empresas a renegociarem suas dívidas em condições melhores, mas lembra que uma empresa inadimplente tem pelo menos 11 credores, entre bancos, fornecedores de matéria-prima e prestadores de serviços, e que apenas 25% das suas dívidas são junto às instituições financeiras:

— Com juros baixos, fica mais fácil renegociar dívidas. Mas, enquanto as pessoas físicas inadimplentes têm, em média, quatro credores, as empresas têm onze, o que pode dificultar o processo.

CENÁRIO POSITIVO À FRENTE

Para o economista Sergio Vale, da MB Associados, a queda dos juros e da inflação é essencial para dar fôlego às empresas este ano:

— A queda de inflação amplia o poder de compra da população, e a queda de juros permite que as empresas possam renegociar dívidas. Isso não impede que algumas empresas ainda enfrentem dificuldades e entrem em recuperação judicial, mas o pior parece ter passado.

A diferença, ressalta Vale, é que o cenário para a economia é positivo à frente, ao contrário do que ocorreu ao longo dos últimos dois anos.

— As condições estarão muito mais favoráveis para a volta do crédito no segundo semestre do ano, ainda em bases fracas, mas certamente em início de recuperação — completa.

O globo, n. 30504, 11/02/2017. Economia, p. 17