Por mais votos, presidente intensifica barganha

Eduardo Barreto e Leticia Fernandes 

12/07/2017

 

 

De olho na bancada ruralista, Temer sanciona a chamada ‘MP da grilagem’

-BRASÍLIA- Em situação delicada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o presidente Michel Temer fez ontem uma série de solenidades no Palácio do Planalto para anunciar um pacote de bondades e atrair o apoio dos deputados da enorme bancada ruralista e da expressiva bancada do Nordeste. Aos ruralistas, que somam hoje mais de 200 dos 513 deputados, anunciou R$ 103 bilhões do Banco do Brasil para a próxima safra, e animou deputados do Nordeste com chance de alívio fiscal para prefeituras.

No mesmo dia, diante de uma claque que gritava “fica, Temer”, o presidente sancionou a polêmica Medida Provisória 759, chamada pelos ambientalistas de “MP da grilagem”. Relatada pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), a MP prevê a mudança de regras para reforma agrária, a regularização de áreas contínuas e regula a compra de terras em áreas de proteção ambiental para produção agrícola.

“PROJETO DESASTROSO”

Segundo ambientalistas, a MP agrada aos ruralistas e tira a proteção de vastas áreas de proteção ambiental da Amazônia. Temer disse que tem “obsessão” por gerar empregos e, em ato oficial, distribuiu propriedades de imóveis no Palácio do Planalto.

Vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil, Rodrigo Medeiros, criticou:

— É um projeto desastroso de um Congresso conservador e ruralista, que acredita que o desenvolvimento agrícola deve acontecer a qualquer custo. Vivemos uma série de decisões totalmente anacrônicas e não justificáveis, que vão desde a redução das unidades protegidas da Amazônia à legitimação da ocupação ilegal de terras. Trata-se de um governo fragilizado politicamente que se agarra a qualquer setor que possa lhe dar apoio.

Durante o discurso, Temer buscou mostrar clima de continuidade do governo. Ele tentou atrelar sua permanência no Planalto à geração de vagas no mercado de trabalho.

— Vejo pelos depoimentos que recebo dos vários representantes do Estado brasileiro, legislativos, empresariais: “Temer, temos que continuar, não podemos parar, temos que combater o desemprego”. E daí minha obsessão, que é gerar emprego para todos — afirmou.

De anteontem para ontem, Temer ouviu uma série de reclamações de parlamentares do Maranhão e agendou uma audiência com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para fazer um gesto de socorro fiscal a prefeituras do Nordeste. Em reunião com cerca de 20 parlamentares e três ministros, Temer disse que poderá parcelar dívidas municipais e adiantar repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

PUTIN “INSPIRADO”

No Palácio do Planalto, o governo preparou uma cerimônia com entrega de propriedades de terra. A plateia tinha algumas pessoas entusiasmadas com a gestão de Temer. As palavras de ordem eram puxadas por Élida Miranda, ligada ao PSDB de Brasília. Ela tirou fotos recentemente com o ex-governador Joaquim Roriz, a quem chamou de “eterno”. O presidente respondia às palavras empolgadas de Élida com sinais de joia e sorrisos. O peemedebista se animou.

— Vocês viram que sei ganhar aplauso, né? — brincou.

Até o presidente russo, Vladimir Putin, foi citado como um entusiasta de ações da gestão Temer. Ele disse que, no G20, Putin afirmou estar se “inspirando” na emenda constitucional brasileira que fixou um teto para os gastos públicos.

O presidente aproveitou o discurso para agradecer aos deputados que o defenderam na CCJ. O anúncio de R$ 103 bilhões do Banco do Brasil para a agropecuária foi só um novo aceno a ruralistas. No último dia 28, dois dias depois de ser denunciado por corrupção passiva, Temer recebeu dezenas de deputados da bancada. Só os ruralistas, com seus mais de 200 deputados, poderiam cobrir os 172 votos, ausências ou abstenções de que Temer precisa para se livrar da denúncia. (Colaborou Renato Grandelle)

O globo, n. 30655, 12/07/2017. País, p. 4