MP pede arquivamento de caso contra Lula
André de Souza 
12/07/2017
 
 
Para procurador da República, Delcídio pode ter citado ex-presidente para ampliar benefícios da delação

-BRASÍLIA- O procurador da República Ivan Cláudio Marx afirmou que o ex-senador Delcídio Amaral pode ter citado indevidamente o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na delação premiada que negociou com a Procuradoria-Geral da República (PGR). A avaliação foi feita em documento protocolado ontem, na Justiça Federal de Brasília, no qual ele pediu o arquivamento de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) que apurava a participação do ex-presidente em tentativa de obstrução de Justiça.

Para Ivan Marx, Delcídio pode ter usado o nome de Lula com o objetivo de aumentar seu poder de barganha e, assim, ampliar os benefícios da delação. O exsenador acusou Lula de tentar atrapalhar as investigações da Operação LavaJato. Segundo o procurador, a palavra de Delcídio, que teve seu acordo homologado no Supremo Tribunal Federal (STF), perde credibilidade.

“Não se pode olvidar o interesse do delator em encontrar fatos que o permitissem delatar terceiros, e dentre esses especialmente o ex-presidente Lula, como forma de aumentar seu poder de barganha ante a Procuradoria-Geral da República no seu acordo de delação”, escreveu Ivan Marx.

O pedido de arquivamento do procedimento não afeta diretamente outro processo, em curso na Justiça Federal, que apura outra acusação de obstrução de Justiça. Nesta ação penal, com sete réus, entre eles Lula, o ex-presidente é suspeito de ter participado dos esforços para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que depois viria a firmar acordo de delação. Ivan Marx fez considerações sobre esse caso, também baseado na delação de Delcídio.

INTERPRETAÇÃO UNILATERAL

“A participação de Lula só surgiu através do relato de Delcídio, não tendo sido confirmada por nenhuma outra testemunha ou corréu no processo”, destacou o procurador, ressalvando: “Ressalte-se não se estar aqui adiantando a responsabilidade ou não do ex-presidente Lula naquele processo, mas apenas demonstrar o quanto a citação de seu nome, ainda que desprovida de provas em determinados casos, pode ter importado para o fechamento do acordo de Delcídio Amaral, inclusive no que se refere à amplitude dos benefícios recebidos. Assim, a criação de mais um anexo com a implicação do ex-presidente em possíveis crimes era sim do interesse de Delcídio. Por isso, sua palavra perde credibilidade”.

A decisão de arquivar o procedimento criminal caberá ao juiz substituto Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, mas é praxe que a Justiça siga o pedido do Ministério Público Federal (MPF). Ivan Marx trabalha na unidade do MPF no Distrito Federal, e não na PGR, responsável pela negociação da delação.

Delcídio relatou que Lula o convidou, juntamente com os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Edison Lobão (PMDB-MA), para uma reunião em 2015, no Instituto Lula, em São Paulo. O objetivo seria impedir o andamento da Operação Lava-Jato.

“Na ocasião, conversando sobre a Operação Lava-Jato, Lula teria tentado persuadir os congressistas, que estavam entre as mais ascendentes lideranças senatoriais, a criar, no Senado Federal, uma espécie de 'gabinete de crise de modo a se contraporem àquilo que estava sendo divulgado' na mídia. Referiu ainda que 'o presidente Lula queria que esse grupo assumisse um contraponto forte em relação àquilo que estava ocorrendo e que se protegesse o legado do ex-presidente'”, relatou o MPF, citando o depoimento de Delcídio.

Ivan Marx ouviu o ex-senador e os outros parlamentares para verificar se a versão dele procedia. Renan e Lobão negaram ter tratado do tema na reunião. Além disso, segundo o MPF, o próprio Delcídio acabou minimizando a gravidade dos fatos. O procurador destacou que a avaliação de que a intenção era embaraçar as investigações foi uma interpretação unilateral do delator.

Delcídio foi preso em novembro de 2015, depois de ter sido gravado por Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, tentando negociar o silêncio do ex-diretor da Petrobras. Na época, Delcídio era líder do governo no Senado. Atrás das grades, negociou um acordo de delação. Em fevereiro de 2016, deixou a prisão.

O globo, n. 30655, 12/07/2017. País, p. 6