CVM absolve Graça Foster e Sergio Gabrielli

Rennan Setti 

12/07/2017

 

 

Processo envolvendo ex-presidentes da Petrobras apurava supostas irregularidades na megacapitalização da estatal

O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu ontem, por unanimidade, a Petrobras e seus ex-presidentes Maria das Graças Foster e José Sergio Gabrielli em processo que apurava supostas irregularidades na megacapitalização da Petrobras, em 2010, maior operação do tipo já realizada no mundo e que captou R$ 120 bilhões junto a investidores. Também foram absolvidos o ex-diretor de relações com investidores da petrolífera, Almir Barbassa, o banco Bradesco BBI (responsável por formatar a oferta de papéis) e seu executivo Bruno Boetger.

O processo analisava a prestação de informações pela Petrobras sobre a possibilidade de obter direito de voto com ações preferenciais, as PN. Preferida pelos investidores pessoas físicas, esse papel não tem poder de voto, mas tem preferência no recebimento de dividendos. No prospecto da megacapitalização, porém, a Petrobras observou que os acionistas preferenciais “não têm direito de voto nas deliberações das nossas assembleias gerais de acionistas, exceto em circunstâncias especiais, incluindo na eventualidade de deixarmos de pagar a esses acionistas o dividendo mínimo prioritário a que fazem jus, de acordo com o nosso estatuto social, por três exercícios consecutivos.”

DIVERGÊNCIA DE INFORMAÇÕES

Mas quando a companhia registrou prejuízo de R$ 21,7 bilhões em 2014 e propôs que não fossem pagos dividendos, alguns investidores pleitearam o direito de voto com a alegação de que o não pagamento dos dividendos mínimos conferiria a eles esse direito de forma imediata.

Questionada pela CVM naquela ocasião, a Petrobras sustentou um entendimento diferente daquilo que estava no prospecto da megacapitalização, quase cinco anos antes. Segundo a nova gestão da companhia, as ações preferenciais nunca poderiam ter direito a voto porque a Lei do Petróleo dizia isso expressamente. Mas a área técnica da CVM observou à época que, nos Formulários de Referência divulgados entre 2010 e 2015, “não foi veiculada a informação de que as ações preferenciais emitidas pela Petrobras jamais viriam a adquirir direito de voto”.

De acordo com a acusação, “haveria duas graves falhas nas informações veiculadas pelo prospecto e parcialmente reproduzidas em versões anteriores do Formulário de Referência divulgadas pela Companhia”. Elas seriam “a menção à aquisição a direito de voto pelas ações preferenciais depois de três exercícios consecutivos quando, na verdade, o estatuto é silente a esse respeito” e “a omissão quanto aos potenciais efeitos da Lei do Petróleo em relação ao direito de voto das ações preferenciais de emissão da Petrobras.”

Logo, sustentou a acusação, a informação diferente no prospecto “é evidência da negligência na sua elaboração, sendo essa regra aplicável a muitas sociedades anônimas, que preveem tal prazo (de três anos) em seus estatutos, mas não à companhia”. Os acusados chegaram a propor um termo de compromisso para extinguir o caso, mas ele foi negado pela CVM. Caso tivessem sido condenados, seriam considerados responsáveis por publicar informação incorreta e induzir investidores a erro.

DEFESA: CASO DEVIA PRESCREVER

Ontem, a defesa da Petrobras argumentou que o caso deveria estar prescrito, uma vez que a estatal só foi intimada para oferecer sua defesa em janeiro de 2016, enquanto o prospecto é de 2010 — mais que os cinco anos previstos pela lei para que a irregularidade não prescreva.

Segundo a advogada da companhia, Maria Isabel do Prado Bocater, o entendimento consolidado da CVM era de não responsabilizar pessoas jurídicas, sobretudo em casos de informação, porque isso prejudica os acionistas. A defesa da estatal e dos seus ex-administradores argumentou também que a questão do poder de voto não era relevante, uma vez que a Petrobras sempre obteve lucro até a megacapitalização e, portanto, distribuiu dividendos até aquela data. Além disso, ponderaram que os investidores que adquiriam os papéis preferenciais não tinham a expectativa de obter poder de voto.

— Jamais os acionistas preferenciais compraram ações da Petrobras se interessando por eventual poder de voto. O que a eles interessava era o que vinha acontecendo, que era o recebimento regular de dividendos — disse a advogada da Petrobras.

Embora tenha discordado do argumento de que as acusações deveriam estar prescritas, o relator do processo, diretor Pablo Renteria, entendeu que o posicionamento da companhia e a prestação de informação na megacapitalização foram razoáveis e respeitaram as práticas de mercado.

— Não me parece possível afirmar que a informação contida no prospecto era inverídica ou falsa. Era, no mínimo, razoável. A companhia seguiu a prática de mercado, contratou escritórios para obter legal opinion. Tal providência reforça a diligência da companhia e do seu então diretor de Relações com Investidores — observou Renteria. — Não é possível afirmar que o formulário de referência tivesse informação falsa, inexata ou incompleta. Não me parece correto nem justo considerar que os diretores tenham faltado com a devida diligência na elaboração dessa informação, apenas porque a administração, em momento posterior, quando já tinham se desligado dela, decidiu adotar entendimento diverso.

No caso do Bradesco BBI, Renteria destacou que o banco contratou escritórios especializados para avaliar a operação de 2010, o que configuraria uma boa prática. Os outros dois membros do colegiado nesta sessão, o presidente da CVM, Leonardo Pereira, e o diretor Henrique Machado, acompanharam o voto do relator pela absolvição dos acusados.

Único acusado presente ao julgamento, Almir Barbassa, ex-diretor de Relações com Investidores e da área financeira da estatal, defendeu sua gestão:

— O que a área financeira da Petrobras fez, na minha gestão, foi um bom trabalho. Não temos nada de errado, apesar de tudo o que aconteceu na Petrobras. Esperava (a absolvição) porque tínhamos bons fundamentos, como foi ressaltado aqui. Foi um trabalho consistente com o que se fazia na Petrobras.

Em nota, a estatal diz que a decisão da CVM reitera que a empresa agiu corretamente.

O globo, n. 30655, 12/07/2017. Economia, p. 22