Temer fala em dobrar valor de isenção do IR

Paulo Silva Pinto e Hamilton Ferrari

16/05/2017

 

 

TRIBUTAÇÃO » Segundo o presidente, há estudos para corrigir o valor da renda livre de imposto, hoje em R$ 1.903 mensais. Mas especialistas alertam: se empresas ou investidores forem onerados para compensar a mudança, recuperação da economia será prejudicada
 
 
 

 

O governo federal estuda dobrar a isenção do Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas (IRPF) e tributar os dividendos de Pessoa Jurídica como forma de minimizar o impacto da aprovação das reformas da Previdência e trabalhista. A isenção do IR beneficiaria consumidores que recebem até R$ 3.806 mensalmente. Com a medida, um número considerável de trabalhadores deixaria de pagar o imposto e poderia consumir para aquecer a economia.

Os analistas consideram a ação arriscada, porque diminuiria significativamente a arrecadação do governo, que precisa reduzir o rombo nas contas públicas. A taxa de isenção passaria de R$ 1.903 a R$ 3.806. Segundo dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015, a renda per capita brasileira média é de R$ 1.113.

O presidente Michel Temer afirmou ontem, em coletiva às emissoras regionais de rádio, que “apreciaria” corrigir a tabela do Imposto de Renda para pessoa física com a ampliação da faixa de isenção, mas acrescentou que é um assunto “complicado”.  “Não há isso concretamente. Seria bom. Seria uma maneira de alcançar uma boa margem de trabalhadores que seriam beneficiados por isso de um lado, e de outro lado, também a economia que faria em vez de pagar o tributo, vão gastar isso na economia nacional”, declarou o presidente. Temer disse que o assunto foi discutido em “uma breve fala em que as cadeiras, mesas e paredes do Planalto captaram”.

Fábio Klein, analista sênior de Finanças Públicas, declarou que o efeito nas contas públicas do governo seria grande, porque um número considerável de consumidores deixaria de contribuir. “Acho que não é ideal fazer isso agora. É preciso uma discussão mais ampla, tanto do ponto de vista da carga tributária, quanto de outras medidas que o governo precisa tomar para equilibrar as contas públicas”, disse.

 

Populismo fiscal

A medida, porém, diminuiria a carga tributária para Pessoa Física. O Brasil tem uma tributação que gira em torno de 33%, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Cláudio Damaceno, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), afirmou que há uma defasagem real de 83% na tabela do IR desde 1996.

“O poder de compra da população caiu. É uma perversidade, porque penaliza o trabalhador. O governo precisa encontrar novas formas para arrecadar, como o imposto sobre dividendos de Pessoa Jurídica”, declarou o presidente do Sindifisco.

Everardo Maciel, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), reprova a medida. Segundo ele, em nenhum país do mundo, há necessidade em corrigir a defasagem da tabela com a inflação. “A correção representaria um aumento pouco representativo na renda do contribuinte. Parece-me uma medida de populismo fiscal para conseguir apoiadores a qualquer custo”, criticou.

Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, não será fácil para o governo abrir mão da receita com o IRPF que ocorreria por meio da correção da tabela. “Com um deficit primário previsto de R$ 139 bilhões, certamente não há espaço fiscal para isso”, avisou.

A redução no imposto desembolsado diretamente pelas pessoas poderia ser compensada com elevação do que as empresas pagam. Mas, com o país tentando sair da maior recessão de sua história, isso está longe de ser uma boa alternativa, na avaliação de Velloso. “Não é hora de aumentar a carga tributária para empresas.”

Para Klein, o governo deveria evitar qualquer medida que diminuísse a arrecadação do governo. “Temos uma eleição perto e eu receio que o objetivo dessa medida seja oportunismo eleitoral. Dada a crise fiscal, a atitude vai na contramão, porque é difícil calcular se ocorrerá um impulso na economia”, destacou.

Como forma de compensar a perda, o governo tributaria os dividendos das pessoas jurídicas, que hoje são isentas na modalidade do lucro presumido. Como secretário da Receita no governo de Fernando Henrique Cardoso,  Everardo Maciel foi responsável pela criação do sistema, em que se estabeleceu um valor pago em etapa inicial da cadeia produtiva por setor. Assim, não há taxação nas demais fases. O sistema torna mais simples o cálculo e o recolhimento do tributo, além de evitar fraudes. Ampliar o imposto das empresas pode acarretar mudanças nesse sistema.

Cristiano Carvalho, advogado tributarista da CMT advogados, disse que é preciso avaliar a medida de tributação, porque pode onerar ainda mais as empresas. “O aumento do imposto para as companhias se traduz na perda de criação de novos negócios e investimentos. Num momento de recessão, o impacto pode ser pior”, destacou. “É uma medida que precisa ser muito bem avaliada”, ressaltou.

 

 

Correio braziliense, n. 19712, 16/05/2017. Economia, p. 7.