Rede de proteção social enfraquecida

Daiane Costa 

09/07/2017

 

 

Fortalecer benefícios de proteção social como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) — pago a maiores de 65 anos que não contribuíram com a Previdência Social —, preservar os direitos dos trabalhadores em relação ao atual sistema previdenciário, combater o desemprego recorde, retomar políticas de formalização do trabalho e revisar a política de terceirização recentemente aprovada, além de investir num desenvolvimento econômico que promova a inclusão social, estão entre as recomendações do relatório que será entregue à ONU pelo grupo de entidades da sociedade civil, na próxima semana. Na visão dos monitores da Agenda 2030 das Nações Unidas, que consiste num plano de ação com objetivos de desenvolvimento sustentável a ser perseguido pelos países signatários, essas são as formas de evitar que se reverta o quadro de fome zero, conquistado há três anos e de cumprir um segundo objetivo: erradicar a pobreza em todas as suas formas e lugares.

— Pobreza e insegurança alimentar são como irmãs gêmeas. A pobreza é determinante para a insegurança alimentar — afirma Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e consultor da ActionAid, que participaram da elaboração do relatório.

A preocupação, compartilhada por especialistas e gestores públicos, é que o atual cenário vai justamente contra essas recomendações, penalizando justamente a parcela mais pobre e vulnerável da população. Por causa de uma dívida do estado de R$ 25 milhões, dos 16 restaurantes populares que mantinha, apenas um está aberto, em Niterói, depois de ser municipalizado. Já a população de rua da capital fluminense praticamente triplicou nos últimos quatro anos, para 14,3 mil pessoas, enquanto a capacidade dos abrigos municipais para recebê-las é de apenas 2.400 vagas. E, devido à queda na arrecadação, as secretarias municipais tiveram os orçamentos reduzidos este ano. No caso da Assistência Social, em um quinto.

“TIRO NO PÉ”, DIZ ESPECIALISTA

Na esfera federal, o governo, numa tentativa de economizar para cumprir a meta de ajuste fiscal realizou um pente-fino e cancelou benefícios do Bolsa Família e BPCs. O governo também suspendeu o reajuste de 4,6% que seria aplicado ao Bolsa Família este mês. Há um consenso entre pesquisadores das áreas de desigualdade de renda e nutrição sobre a importância desse programa para reduzir a pobreza e a fome na década que antecedeu a recessão. Marcelo Neri, diretor da FGV Social, diz que a atual condução do programa pelo governo é um “tiro no pé”.

— O Bolsa Família dá a quem tem menos, custa pouco, atinge 25% da população, tem um custo fiscal baixo, melhora a frequência escolar e a carteira de vacinação. É uma fórmula boa para combater a pobreza e a desigualdade e ótima para a economia. O governo dá reajuste ao funcionalismo público e economiza em bolsa família — critica o economista.

Hoje, no Rio, 236 mil famílias acessam o benefício, criado em 2003. Em todo o país, segundo os números mais recentes disponibilizados no site do Ministério de Desenvolvimento Social, mais de 13,2 milhões de famílias receberam o benefício em junho, num valor médio de R$ 180,49. As famílias têm, em média, 3,34 pessoas. No Estado do Rio, esse valor cai um pouco, é de R$ 172,24. 5,9 MILHÕES DE PESSOAS ENTRARAM NA POBREZA Desde 2014, segundo números da pasta, o aumento do volume de recursos pagos em benefícios vem desacelerando. Praticamente não mudou entre 2014 e 2015, ficando na casa dos R$ 27 bilhões. Em 2016, subiu para a casa dos R$ 28 bilhões e, para este ano, está orçado um total de R$ 29,3 bilhões.

Em 2015, o número de famílias com rendimento per capita inferior a 25% do salário mínimo, a chamada pobreza extrema, voltou a crescer após quatro anos de queda, segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do IBGE. Para Neri, são dados que preocupam por conta da relação direta com o aumento da insegurança alimentar. Nas contas da FGV Social, a recessão de 2015 e 2016 fez com que 5,9 milhões de pessoas entrassem na pobreza nesse período:

— É um quadro preocupante porque esse aumento da pobreza ocorreu depois de um 2014 no qual havíamos atingido o nível mais baixo das séries de pobreza e de extrema pobreza.

Como a renda do trabalho, formal e informal, caiu nos dois anos de recessão, depois de mais de duas décadas, o Índice de Gini, que mede a desigualdade de renda do trabalho, aumentou por dois anos seguidos, mais de 0,1 ponto percentual em cada ano.

— Todas as classes perderam, mas os mais pobres perderam mais por conta do congelamento nominal do Bolsa Família em 2016. Isso é gravíssimo, pois os mais pobres consomem a maior parte da renda em alimentos, agravando a recessão de todos e a insegurança alimentar — analisa o economista.

Para Neri, apesar da inflação em baixa, a pobreza deve “subir de elevador” este ano:

— No contexto atual, cuidar dos pobres também é cuidar da macroeconomia.

Para Elisabetta Recine, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), nesse momento é preciso manter o orçamento de programas estratégicos de combate à pobreza e insegurança alimentar:

— Se estes programas sofrerem reduções importantes, é óbvio que haverá uma fragilização da rede de proteção social. David Stuckler, um pesquisador de Oxford, diz que todos os países que tiveram redução de investimentos em saúde, educação e assistência social demoraram mais para sair de crises.

Teresa Bergher, secretária municipal de Assistência Social, conta que, devido ao corte no orçamento da pasta este ano, tem atrasado o pagamento do Família Carioca, um complemento de renda pago a beneficiários do Bolsa Família:

— O custo desse programa é entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões, mas geralmente só temos metade e precisamos pedir antecipação orçamentária à Fazenda. Por isso atrasamos os pagamentos.

No mês passado, 51 mil famílias foram beneficiadas.

O globo, n. 30652, 09/07/2017. Economia, p. 36