Lula nega tudo e joga o tríplex para Marisa

Paulo de Tarso Lyra

11/05/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, ex-presidente reclama da falta de provas materiais sobre a compra do imóvel no Guarujá, litoral de São Paulo. Ele atribui à mulher, morta em fevereiro, interesse, mas afirma não ter recebido o apartamento

 

 

Em mais de cinco horas de depoimento, na primeira vez diante do juiz Sérgio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ser dono do tríplex no Guarujá, apresentou-se como uma vítima de ataques, reclamou que está sendo perseguido, sem provas, pelo que fez durante o governo e, em diversos momentos, transferiu a responsabilidade pelas visitas ao tríplex para a esposa Marisa Letícia, morta em fevereiro deste ano. “A verdade é o seguinte: não solicitei, não recebi, não paguei e não tenho nenhum tríplex”, afirmou Lula.

Moro perguntou se Lula tinha desistido do tríplex depois que ele visitou o imóvel. “O senhor decidiu que não ia ficar com esse primeiro tríplex já na primeira visita que o senhor fez em fevereiro de 2014?”. Lula confirmou. “Foi isso. Nunca solicitei e nunca recebi apartamento. Imagino que o Ministério Público vai, na hora em que for falar, apresentar as provas. Eles devem ter pelo menos algum documento que prove o direito jurídico de propriedade para dizer que é meu o apartamento.”

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribuiu a Marisa o interesse inicial pelo tríplex do Edifício Solaris, “certamente para fazer investimento”. O petista admitiu que visitou o imóvel acompanhado da primeira-dama e do empreiteiro Léo Pinheiro, mas negou que tenha solicitado ou recebido o apartamento. Segundo a força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, o imóvel seria propina paga pela construtora OAS.

O depoimento seguiu o script imaginado pela defesa, embora o ex-presidente estivesse visivelmente nervoso e desconfortável. Coçava a barba constantemente, em um cacoete já identificado por petistas próximos como um sinal de impaciência. Tirou e colocou os óculos algumas vezes e folheou um maço de papel levado por ele para o depoimento.

“Estou sendo vítima da maior caçada política que um político brasileiro já teve”, disse o ex-presidente, ao iniciar sua fala. “Sou julgado pela construção de um Power Point mentiroso, aquilo é ilação pura”, completou. O juiz Sérgio Moro reagiu dizendo que o depoimento deveria ter relação com o processo, e não ser um discurso político. “Eu queria deixar claro que, em que pesem alegações nesse sentido, da minha parte, não tenho nenhuma desavença pessoal contra o senhor ex-presidente, certo?” Lula ficou em silêncio.

“O que vai determinar o resultado deste processo, no fim, são as provas que vão ser colecionadas e a lei”, prosseguiu Moro. “Também vamos deixar claro que quem faz a acusação neste processo é o Ministério Público, e não o juiz. Eu estou aqui para ouvi-lo e para proferir um julgamento ao final do processo.” Sutilmente, Lula concordou. Por fim, Moro esclareceu que o boato de que Lula poderia ser preso durante o depoimento era apenas isso, um boato.

O ex-presidente também negou ter qualquer conhecimento sobre o esquema de pagamento de propinas e a prática de ato de corrupção dentro da Petrobras. “Você acha que, se tivesse alguém roubando lá, eles iam me falar? Um pai, muitas vezes, não sabe a nota dos filhos na escola”, comparou o ex-presidente. Lula, no entanto, confirmou, à sua maneira, o depoimento dado na semana passada pelo ex-diretor da Petrobras, Renato Duque.

 

Tesoureiro

Duque disse que fora chamado pelo ex-presidente para dizer se teria uma conta no exterior. “Eu procurei o Vaccari — João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT — para perguntar se ele conhecia o Duque, que eu queria falar com ele”, confirmou Lula. “Eu disse para o Duque: estão dizendo que tem gente roubando dinheiro da Petrobras e colocando em contas no exterior. Você tem conta no exterior? Como ele disse que não, não perguntei mais nada”. Moro quis saber se Lula tinha conversado com outros diretores da empresa, como Paulo Roberto Costa, mas o petista negou. “Por que, então, o senhor decidiu chamar o Duque”? , indagou o juiz. “Porque ele foi indicado pela bancada do PT”, justificou Lula.

Em suas considerações finais, Lula disse que está sendo julgado, na realidade, “porque já tinham tese anterior de que o PT era uma organização criminosa.” Após a audiência com Moro, o petista foi a um ato preparado pela militância na Praça Tiradentes, no centro da capital paranaense. Afirmou que deseja continuar merecendo a confiança dos brasileiros e que a relação com os apoiadores não “é de candidato, mas de companheiro de luta”.

Lula reforçou o desejo de candidatar-se a presidente em 2018. “Eu estou vivo e preparado para voltar a ser candidato a presidente”, afirmou. “A história mostrará que nunca alguém foi tão massacrado como eu estou sendo neste país. Querem que eu seja massacrado antes do dia em que eu seja julgado”, falou, diante de uma plateia de 5 mil pessoas, de acordo com cálculos feitos pela Polícia Militar do Paraná. “Se não fossem vocês, eu não suportaria o que estão fazendo comigo”, afirmou, acrescentando que não seria digno de discursar se tivesse alguma culpa. “Se for para eu mentir algum dia, quero que um ônibus me atropele”, acrescentou.

 

Frases

"O que vai determinar o fim deste processo são as provas que vão ser colecionadas e a lei (...). Não tenho nenhuma desavença pessoal contra o senhor ex-presidente”

Sérgio Moro, juiz federal

 

 

"Imagino que o MP vai, na hora em que for falar, apresentar provas. Eles devem ter pelo menos algum documento que prove o direito jurídico de propriedade para dizer que é meu o apartamento”

Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente

 

 

Correio braziliense, n. 19707, 11/05/2017. Política, p. 2.