Por que vamos fechar o lixão

Rodrigo Rollemberg

11/05/2017

 

 

Brasília deixará de conviver, a partir outubro, com uma vergonha nacional: o Lixão da Estrutural, o segundo maior do mundo em operação e o maior da América Latina, que se consolidou ao lado de um parque nacional e a 15 quilômetros do centro do poder político do país.

Comprei a briga que nenhum outro governo teve a coragem de enfrentar nessas quase seis décadas, porque é inaceitável a capital do país carregar título tão desabonador e injusto com os cerca de 1,8 mil catadores de materiais recicláveis, que correm atrás de sustento, arriscando a vida entre montanhas de lixo jogado a céu aberto.

Quando um caminhão do SLU chega à área do lixão, ele é imediatamente cercado por dezenas de catadores munidos de grandes sacos plásticos que iniciam a garimpagem do que conseguem comercializar. Correm risco e se submetem à exploração. O material aproveitável geralmente está sujo por vir misturado ao lixo comum, e os catadores acabam vendendo ali mesmo a atravessadores por valor irrisório o papelão, a garrafa pet etc.

A categoria é a mais frágil da “cadeia produtiva” que se instalou no lixão. Ali operam 24 atravessadores, que enchem carretas com destino à revenda no DF ou em outras capitais, onde os resíduos recicláveis alcançam até o dobro do preço pago na origem. Negócio altamente rentável — basta ver o exemplo de um dos atravessadores que possui instalado no local equipamento de alta tecnologia e valor.

O mapeamento dos atores e dos problemas, que fizemos logo no início do governo, revelou absurdos. Fonte de trabalho para os maiores excluídos da sociedade, o lixão também era ponto de prostituição, tráfico de drogas, trabalho infantil, receptação de carros roubados e de comercialização de alimentos vencidos provenientes de grandes supermercados.

A venda ocorria ali mesmo, num espaço apelidado de Carrefa, como também fora do lixão. Rastreamos salmão descartado sendo oferecido a R$ 7 o quilo na feira da Ceilândia! Proibimos o descarte de alimentos, instalamos cerca e fosso ao longo de 6 mil metros do perímetro do lixão e passamos a controlar o acesso.

Não podíamos permitir a perpetuação de degradação humana e crime ambiental inadmissíveis. Sempre defendi a proteção ao meio ambiente e a dignidade da pessoa humana. No Senado, apresentei projeto criando aposentadoria especial a catador, porque muitos ficam sem benefício na velhice ou quando adoecem por não pagarem a contribuição de 11% da renda.

No governo, incumbi 17 secretarias e órgãos a traçarem ações integradas para cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos e transformar Brasília em referência no setor. Construímos o primeiro aterro sanitário da história da capital, que, desde o início do ano, recebe 900 das 2,8 mil toneladas diárias de resíduos produzidas pelos cerca de 3 milhões de habitantes. Ainda no segundo semestre deste ano, o Aterro Sanitário de Brasília será o destino final de todos os resíduos coletados no DF.

A inauguração do aterro marcou o início do processo de desativação do lixão. Estamos em nova fase. Decidimos nos antecipar à construção de sete centros de triagem, meta autoimposta para colocar ponto final na história. Temporariamente até a entrega dos centros, vamos alugar galpões para absorver os catadores da Estrutural. Serão equipados para seleção do material, além de banheiro e refeitório, sonho para quem hoje trabalha curvado em ambiente insalubre.

Esses trabalhadores serão contratados como prestadores de serviço público. Isso implica renda garantida em momento de crise econômica com redução de empregos, e trabalho em melhores condições. Exercerão a atividade com equipamentos de proteção individual e receberão capacitação e assistência técnica para agregar valor ao processo de reaproveitamento do material reciclável.

É prioridade absoluta deste governo a inserção social e econômica dos catadores e familiares — público com o qual mantemos diálogo permanente. Desde janeiro, reinstituímos o Programa Agente de Cidadania Ambiental: 900 catadores que atuam no Lixão da Estrutural recebem bolsa mensal de R$ 300 e capacitação por 12 horas no mês. Filhos de catadores participam do projeto Jovem Candango, prestando serviços ao GDF com bolsa de R$ 1.050.

Enviamos também à Câmara Legislativa novo projeto, já aprovado em duas comissões, criando outra bolsa, no valor de R$ 350 para compensar eventuais perdas de renda na etapa de fechamento do lixão. Agimos estrategicamente e da maneira menos traumática possível.

(...)

 

» RODRIGO ROLLEMBERG

Governador do Distrito Federal

 

 

Correio braziliense, n. 19707, 11/05/2017. Opinião, p. 13.