Questão de civilidade

Deborah Fortuna, Gabriella Bertoni, Lucas Fadul, Ketheryne Mariz e Walder Galvão

11/05/2017

 

 

LIXÃO » Com o anúncio de que o Lixão da Estrutural começará a ser fechado em agosto, catadores revelam insegurança com o futuro de quem vive da coleta de material reciclável no DF. A solução para eles será se associar às cooperativas

 

 

No dia em que o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou que o fechamento do Lixão da Estrutural começaria em agosto, a reação dos catadores foi imediata em relação às propostas apresentadas. A promessa é de que, até outubro, os 2 mil trabalhadores do local sejam transferidos para os centros de triagem de resíduos e que 100% da cidade seja atendida pelo serviço de coleta seletiva.De acordo com o GDF, em um primeiro momento, serão seis galpões alugados, pois os definitivos ainda não estão prontos. Mas a ideia é que sejam sete. Agora, o rejeito, antes depositado no Lixão da Estrutural, será destinado ao Aterro Sanitário de Samambaia, onde os catadores não terão acesso, como mostra a segunda reportagem da série Lixão, problema de todos nós. “Uma pessoa não cata lixo por ser uma profissão bonita e agradável. Cata porque precisa, mas, agora, nem isso teremos, porque todo o lixo será enterrado. Tudo que esperávamos era que o governo cumprisse a lei”, desabafa Ronei Alves da Silva, 42 anos, presidente do Movimento Nacional de Catadores.

Ele trabalha na Estrutural desde os 12 anos e questiona a falta de diálogo do Executivo local com os catadores em relação ao fechamento do lugar. Para ele, a mudança prejudicará uma grande parte dos trabalhadores do lixão. Ronei alerta que, com os lixos sendo enterrados na quantidade prevista, em breve, o aterro de Samambaia será transformado em um lixão tão grande quanto o da Estrutural.Segundo o Movimento Nacional de Catadores, a expectativa de duração do aterro de Samambaia cairá de 21 anos para 9, menos da metade. “Se o Ministério Público não tomar providências, não só os catadores serão prejudicados, mas também toda a sociedade, que terá de conviver com não só um, mas com os dois maiores lixões da América Latina. Além disso, economicamente falando, vai quebrar toda a cadeia de material reciclável, que começa com catador, passa por pequenas empresas até chegar à indústria”, queixa-se.

O governo, porém, nega que o Aterro Sanitário de Samambaia possa virar um lixão como o da Estrutural. A diretora presidente do Serviço de Limpeza Urbano (SLU), Kátia Campos, reforça que nenhum catador poderá entrar no novo local. “Não pode haver local de trabalho insalubre. Os rejeitos que chegarem lá serão cobertos por terra todos os dias”, destaca. Ainda segundo Kátia, por enquanto, o aterro tem durabilidade de 13 anos. A autarquia negocia com a Terracap a ampliação para mais 60 hectares, o que aumentará a vida útil do local.

 

Incentivo

O anúncio de que o Lixão da Estrutural começaria a encerrar as atividades daqui a três meses pegou de surpresa o catador Valter Gomes, 62, pai de sete filhos. “Não sei fazer outra coisa. É daqui que sai tudo o que é sustento meu. Quando fico uma semana sem trabalhar, já faz falta”, conta. No lixão há mais de 30 anos, Valter teme pelo pior. “Quando isso aqui acabar, uma pessoa na minha idade não arruma emprego em lugar nenhum. Eu não sei nem assinar o meu nome”, lamenta (leia mais reações de catadores na página 20).

Mas o governo tem pressa. Considera a extinção do espaço na Estrutural uma prioridade, principalmente porque a Lei nº 12.305/2010, conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), obriga o encerramento das atividades de lixões em todo o país. Essa demora rendeu uma multa acumulada de R$ 24 milhões ao SLU.

Entre as principais medidas divulgadas ontem pelo governador Rodrigo Rollemberg e pela diretora presidente do SLU, Kátia Campos, está o pagamento de uma bolsa do Programa Agente da Cidadania a 900 catadores, no valor de R$ 300. Segundo a proposta, até outubro, o número de contemplados pode aumentar para 1,2 mil. Outro incentivo é o pagamento de R$ 92 por tonelada comercializada, estipulado por estudo da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa).

 

Multa

O encerramento das atividades faz parte de um pacto para melhorar o processo de resíduos sólidos de todo o país. Em 2010, a PNRS foi sancionada para enfrentar os problemas sociais, ambientais e econômicos consequentes de uma gestão incorreta do setor. Uma das metas é eliminar os lixões de todo o Brasil. Durante esse período, muitas tentativas de acabar com o segundo maior lixão do mundo foram feitas, sem sucesso. Um ano depois, o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) deu uma ordem para que o SLU, responsável pelo Lixão da Estrutural, finalizasse as atividades.

Como a sentença não foi acatada, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) fez um pedido à Justiça para multar a autarquia em R$ 1 milhão. Em 2014, o TJDFT aceitou o pedido. À época, o GDF conseguiu adiar o pagamento do valor, alegando que o Aterro Sanitário de Samambaia, que era considerado a solução para o problema, ainda não havia sido concluído. Hoje, a multa está em cerca de R$ 24 milhões.

 

* Estagiário sob supervisão de Guilherme Goulart

7

Total de galpões que serão construídos ou reformados para receber os resíduos

 

36

Número de empreendimentos que se apresentaram ao SLU como cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis

 

900

Quantidade de catadores que recebem, desde janeiro, a bolsa de agente da cidadania, no valor de R$ 300

 

 

Você sabia?

»  Não haverá, segundo o SLU, catador no Aterro Sanitário de Samambaia, conforme instituído na Política Nacional de Resíduos Sólidos

» Há um estudo de recuperação da área, mas serão necessários muitos anos para a total recuperação do local e sua destinação a outra atividade. Depois de encerradas as atividades dos catadores no Lixão da Estrutural, a região abrigará uma unidade de Triagem e Reciclagem de Resíduos (ATTRs) da construção civil, que são inertes e não manipulados por catadores

 

 

Os caminhos da coleta seletiva

1 O lixo é separado dentro de casa entre seco e orgânico

2 Duas vezes por semana, empresas terceirizadas e cooperativas fazem a coleta seletiva por 13 cidades. Em alguns prédios, há sistemas feitos pelos moradores, com contêineres para cada tipo de resíduo. Com as alterações na política do lixo, haverá a ampliação de empresas responsáveis pela coleta para alcançar todas as cidades do DF

3 As empresas levam o material para 14 galpões de reciclagem das cooperativas distribuídos pelo DF, inclusive o Lixão da Estrutural. Com o fim do aterro da Estrutural, haverá mais sete galpões, todos esses do governo

Nesses locais, os catadores ficam responsáveis pela separação do lixo seco do orgânico. Com o novo sistema, as cooperativas terão mais condições de armazenar, negociar e transportar a carga, até para outras unidades da Federação

5 O último passo é a venda do que é recolhido para atravessadores, responsáveis pela venda final dos recicláveis

 

 

Correio braziliense, n. 19707, 11/05/2017. Cidades, p. 19.