Gravações levam Temer ao epicentro da crise

Paulo de Tarso Lyra

18/05/2017

 

 

REPÚBLICA EM TRANSE » Em delação premiada, dono do grupo JBS afirmou que o presidente avalizou a compra do silêncio do doleiro Lúcio Funaro e do ex-deputado Eduardo Cunha, ambos presos em Curitiba. Repasses do dinheiro teriam sido filmados pela Polícia Federal

 

 

Enquanto o presidente Michel Temer recebia governadores do Nordeste, a Câmara aprovava o texto-base do Fundo Penitenciário e o Senado votava o projeto de renegociação da dívida dos estados, uma bomba explodiu na Esplanada dos Ministérios. Em delação premiada, o presidente do grupo JBS, Joesley Batista, afirmou que o presidente Michel Temer avalizou a compra do silêncio do doleiro Lúcio Funaro e do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ambos presos em Curitiba.

A denúncia, confirmada como verdadeira pelo próprio Supremo Tribunal Federal, é de que existe uma gravação na qual o presidente, diante do empresário, indicou o ex-assessor direto da presidência e hoje deputado Rodrigo Rocha Loures (PMB-PR) para ser o portador de uma mala com R$ 500 mil enviados por Joesley aos dois detentos. A ideia do pagamento não teria sido do presidente, mas ele teria, segundo o empresário, conhecimento do esquema.

O presidente da JBS confirmou que os recursos seriam dados aos dois detentos de Curitiba para que eles ficassem calados. “Tem que manter isso, viu?”, teria dito Temer. O encontro foi realizado no dia 7 de março, no Palácio do Jaburu. A conversa foi gravada com um aparelho escondido.

Cunha e Funaro tinham ligação com o grupo J&F. O ex-presidente da Câmara, por meio de emendas em projetos de lei e pela influência que detinha no FI-FGTS, investiu mais de R$ 1 bilhão em empresas do grupo. A mesada já era dada havia alguns meses. A Polícia Federal, inclusive, filmou a entrega de R$ 400 mil para Roberto, irmã do doleiro. No caso de Cunha, a propina era entregue a Altair Alves Pinto, seu homem de confiança. O “senhor Altair”, como era conhecido, já foi apontado por Fernando Baiano como o responsável pelo transporte das propinas pagas a Cunha.

No encontro com o presidente, o empresário pediu a ajuda de Temer para resolver uma pendência da empresa junto ao governo. Foi aconselhado a procurar Rocha Loures. Joesley, então, quis se certificar se poderia falar tudo para o então assessor especial da Presidência, hoje deputado federal. Temer foi direto: “Tudo”.

A partir do sinal verde dado pelo presidente, Joesley procurou Loures. O peemedebista paranaense foi chefe de relações institucionais da vice-presidência e tornou-se assessor especial do Planalto após o impeachment de Dilma Rousseff. No início deste ano, assumiu o mandato de deputado federal após a nomeação de Osmar Serraglio (PMDB-PR) para o Ministério da Justiça.

Os interesses de Joesley no governo tinham a ver com um processo em curso no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) relativo a uma disputa entre a Petrobras e a holding J&F sobre o preço do gás fornecido pela estatal à termelétrica EPE, localizada em Cuiabá e adquirida pelo grupo em 2015. Em troca do auxílio, Joesley ofereceu um pagamento de propina de 5%.

Um novo encontro ocorreu entre Loures e o diretor da JBS Ricardo Saud, no café Santo Grão em São Paulo. Nessa reunião ficou acertado o pagamento de R$ 500 mil semanais por 20 anos, tempo em que vai vigorar o contrato da EPE. Isso significaria R$ 480 milhões ao longo de duas décadas, caso o acordo fosse cumprido. Loures disse que levaria a proposta de pagamento a alguém acima dele.

Saud faz duas menções ao “presidente”. Pelo contexto, os dois se referem a Michel Temer. A entrega do dinheiro foi filmada pela PF e as notas tinham números de série informados aos procuradores. Apesar do acerto de repasses semanais de R$ 500 mil, até o momento só foi feita a primeira entrega de dinheiro. E, claro, a partir da homologação da delação, nada mais será pago.

Cunha não receberia recursos apenas para ficar calado. Joesley também pagou-lhe R$ 5 milhões referentes a um saldo de propina que o peemedebista tinha com ele. Disse ainda que devia R$ 20 milhões pela tramitação de lei sobre a desoneração tributária do setor de frango.

O acordo de delação da JBS foi fechado em tempo recorde, especialmente se comparada entre os outros dois acordos-chaves da Lava-Jato, firmados pela Odebrecht (negociada por 10 meses) e pela OAS, que se arrasta há um ano. As conversas com a JBS começaram no final de março e foram firmadas pelo diretor jurídico da empresa, Francisco Assis e Silva.

 

 

Correio braziliense, n. 19714, 18/05/2017. Poder, p. 2.