Fim do foro avança no STF e no Senado

Natália Lambert

01/06/2017

 

 

#XÔPRIVILÉGIO » Após o voto favorável do relator, Supremo define hoje se o benefício vale para autoridades apenas para crimes cometidos durante o exercício do cargo. PEC é aprovada em 2º turno e agora vai para a Câmara, mas senadores mantêm imunidade parlamentar

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a frente no debate sobre a restrição do foro privilegiado no país e vota hoje um novo entendimento sobre o tema. Relator de uma ação penal que vem pulando de instâncias desde 2008, o ministro Luís Roberto Barroso levou ao plenário a sugestão de que o benefício seja aplicado apenas para crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. A sessão está marcada para as 14h e a tendência é de que a maioria dos ministros acate a proposta. No Senado, melindrados pelo protagonismo do STF, senadores aprovaram, após sucessivos adiamentos, em segundo turno a Proposta de Emenda à Constituição 10/13 (PEC), que mantém o foro só para os presidentes dos Três Poderes, mas não abriram mão da imunidade parlamentar.

“O sistema é ruim, funciona mal, traz desprestígio para o Supremo e impunidade. A impunidade no Brasil é decorrente de um sistema punitivo ineficiente e, de uma maneira geral, fez com o que o direito penal perdesse o principal papel que é a educação preventiva (...) Criamos um direito penal que produziu um país de ricos delinquentes porque as pessoas são honestas se quiserem”, comentou o ministro Barroso, durante leitura do voto.

Em Brasília, para o lançamento de seu livro, o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, comemorou a decisão do Supremo de tomar o protagonismo da questão e tratar do tema. “O foro fere a igualdade. Deveria proteger funções essenciais para a democracia, mas hoje, no Brasil, criou uma divisão de castas, de pessoas intocáveis”, afirmou.

Além da restrição sobre a interpretação da prerrogativa, Barroso sugeriu que o plenário do Supremo defina em que momento o processo pare de mudar de instância, independentemente de uma eventual alteração de cargo do réu. O ministro determina que, “após o fim da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada”. A medida é inspirada no caso em análise, a Ação Penal nº 937. O processo julga o prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes (PMDB-RJ), acusado de compra de votos em 2008. Em 2015, Marquinhos, como é conhecido, assumiu mandato como suplente na Câmara e o caso foi remetido ao STF. Um ano depois, deixou o cargo e, cinco meses depois, retornou para substituir o ex-deputado cassado Eduardo Cunha. Eleito em outubro, retornou à prefeitura em janeiro.

“A esse propósito, o caso em exame é exemplo emblemático de como o ‘sobe e desce’ processual frustra a aplicação do direito, gerando prescrição de eventual punição, quando não em razão da pena em abstrato, ao menos tendo em conta a pena aplicada em concreto”, destaca Barroso. Desde 2001, quando o STF passou a julgar parlamentares sem depender de autorização do Congresso, mais de 200 casos já prescreveram.

O ministro também destacou que o Supremo, como corte constitucional, não tem vocação para julgar esses casos penais e isso atrapalha o funcionamento do tribunal. “O Supremo se afasta da sua função primordial que é de guardião da Constituição. Os resultados são muito óbvios: impunidade e desprestígio. O sistema é tão ruim que uma eventual nomeação de alguém para um cargo que desfrute de foro é tratado como obstrução de Justiça, em tese. É quase uma humilhação ao Supremo.” Segundo o V Relatório Supremo em Números: o foro privilegiado, da Fundação Getulio Vargas, se o entendimento proposto por Barroso for aprovado, menos de 10% das ações penais permanecerão no STF.

 

 

Correio braziliense, n. 19728, 01/06/2017. Política, p. 2.