ENTREVISTA - Paulo Paim

Natalia Lambert e Paulo de Tarso Lyra

01/05/2017

 

 

"O PT tem que fazer uma autocrítica"Parlamentar experiente, Paim reclama do nível do atual Congresso e confessa ter saudades de líderes como Covas, Brizola e Ulysses

 

"O país está tão carente de liderança, não tem liderança. Se eles deixarem o Lula concorrer, ele vira presidente outra vez. Mas acho que eles não vão deixar”

"Essa legislatura chegou ao fundo do poço. A minha esperança é que o povo, vendo tudo isso, parta para um novo momento. Estamos num estado de caos. Está faltando indignação popular”



Senador pelo PT gaúcho, Paulo Paim (RS) defende que a legenda que ajudou a fundar em 1980 precisa se reencontrar com suas raízes sociais e sindicais, independentemente de Lula ser ou não o candidato em 2018. O petista acredita que o ex-presidente não será preso, para não se tornar um personagem com a dimensão de Nelson Mandela, mas teme que ele seja tornado inelegível, para evitar que seja candidato em 2018. Paim faz uma dura reflexão sobre os anos do PT no poder, dizendo que a perda da representativade dos sindicatos vem do fato de eles terem pensado que a chegada ao poder de um sindicalista resolveria tudo. “Os sindicatos tinham que continuar na rua, fazendo pressão, movimentação. Mas, não, retiraram-se quase que totalmente. Grande parte dos sindicalistas foi para as estruturas do governo e, de repente, se criou um vazio no movimento sindical.” Ele também defende que, se for necessário, o PT tenha a humildade de abrir mão da cabeça de chapa. Gosta de Ciro Gomes, mas acha que ele fala demais em determinados momentos. Não acredita no êxito de uma candidatura de Jair Bolsonaro, mas reconhece que o tucano João Doria dará trabalho. Nomeado presidente da CPI da Previdência no Senado, Paulo Paim afirma que não existe o interesse de se criar uma briga entre governo e oposição, mas de expor as razões do deficit no sistema e mostrar que, do jeito que está proposta, a atual reforma não é necessária. Confira a seguir os principais trechos da entrevista ao Correio:



Qual é o objetivo de se criar uma CPI da Previdência?
Primeiro, ter transparência absoluta. Não pretendo, na CPI — disse aos senadores da oposição e do governo —, fazer uma guerra de situação e oposição, não é essa a intenção. É abrir a caixa do submundo da Previdência. E ver quem são os sonegadores, quem são, efetivamente, os 500 maiores devedores. Essas anistias vêm sendo dadas ao longo das nossas vidas. Cansei de ver o Congresso aprovar tais benefícios, que vão na seguinte linha: você vai ter 20 anos para pagar. Ele não paga em 20 anos, prolonga para mais 20, ele não te paga em 20 anos, dá mais 20, ele morre e não paga.

Quem são os grandes devedores?
Se você pegar os últimos quatro anos, vai achar, no mínimo, R$ 6 bilhões de grandes empresários que recolheram do trabalhador e não repassaram para frente. Se colocar mais quatro anos para trás, são mais R$ 6 bilhões. Tem que justificar isso. Os procuradores da Fazenda, que vamos ouvir também, dizem o seguinte: há uma dívida agora a ser cobrada de R$ 426,4 bilhões. Se derem condição para arrecadar isso, cobrar e receber mesmo, podemos recuperar R$ 93,4 bilhões.

Qual a diferença de visão de reforma da Previdência dos governos Lula e Dilma para o atual?
É muito diferente. Sou obrigado a dizer que nenhum presidente militar atacou tanto a Previdência em 92 anos como o governo Temer. Nem o Sarney, nem o Collor, Itamar, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma fizeram isso. Temer entra pra ser o presidente mais perverso da história contra os interesses dos aposentados e trabalhadores do campo e da cidade. As pessoas só vão se aposentar com 49 anos de contribuição. A média de meses trabalhados durante um ano do brasileiro é de 9,1. Quem começou com 16 anos vai se aposentar com 80 anos, na proposta do Temer. E quem começou com 20 anos irá se aposentar com 84 anos. Policial Federal com 84 anos, correndo atrás de um menino de 30/40 anos? é uma piada.

Mas hoje o sistema é sustentável?
Da forma que está, o que você tem que fazer para o sistema dar certo? Apertar o combate à sonegação, à fraude, roubalheira e ao desvio do dinheiro para outros fins. Essa dívida toda que está para trás é a que quero que os devedores paguem. Parem de roubar e vamos cobrar os débitos.

Vão tentar segurar a reforma quando ela chegar no Senado até que a CPI evolua? 
A CPI pode ajudar a reforma ao ver a questão da gestão, fiscalização e do combate à roubalheira. Há quem diga que tem parlamentar que deve à Previdência. Mas ninguém está aqui para caçar as bruxas. O que a gente quer é abrir a caixa. Mostrar que essa reforma não é necessária. Nos moldes que eles a estão propondo, não é necessária.

Como resolver o problema então?
Se aprovarmos gestão quadripartite, controle de transparência, empregado e empregador, governo e aposentado, que é a parte interessada, essa gestão no modelo deliberativo e transparente. E se nós aprovarmos que permaneça só a fórmula 85/95. Ela tem um fator de escala progressiva, a cada dois anos aumenta um. Então, é construir uma saída viável para a Previdência sem nenhum trauma. Tanto que, dessa forma progressiva, sempre puxo o máximo para o trabalhador.

Foi uma proposta do governo Dilma.
Quando o governo veio discutir a fórmula, queria a fórmula 85/ 95 seca. Seria o ideal na minha ótica, mas sabia que teria que ser de uma forma mais progressiva. Eles queriam ano por ano, começou uma discussão de três por um e passou dois por um, e já é uma boa fórmula. Aumentou a expectativa de vida, aumenta lá também. E isso resolve a longo e médio prazos. O deficit da Previdência não é hoje, eles falam que é para daqui a 10 e 15 anos. Daqui a 10, 15 anos, já vai estar nos 65 anos que eles querem hoje.

Com a fórmula?
Vai estar. Então, eles estão forçando a barra desnecessariamente enquanto havia uma reforma, que estava feita. O que me faz pensar que por trás disso tudo, está aquele jogo antigo, que a gente conhece, de privatizar a Previdência pública. É só ver o quanto os fundos de pensão privada cresceram depois deste debate. Qual o objetivo disso? As pessoas vão desanimando e vão procurando um fundo de pensão privado ou uma poupança. O que eles querem é assegurar uma renda de um salário mínimo para todo mundo. Quem quiser mais, que vá para um fundo privado. E alguém acha que deputado federal é burro ou indeciso. Se eles pensam que vão se eleger fazendo as reformas da Previdência e trabalhista, quero pagar pra ver.

Pensando em 2018. Há realmente uma chance para Lula, ou o PT tem que apostar em outro nome?
O país está tão carente de liderança, não tem liderança. Se eles deixarem o Lula concorrer, ele vira presidente outra vez. Mas acho que eles não vão deixar.

Lula pode ficar inelegível? Vai ser preso?
O Lula preso será tipo o Nelson Mandela preso. Vão trabalhar para que ele não possa concorrer. Isso pode acontecer, mas acho que não o prendem, é a minha opinião. Mas quem é que vai saber cabeça de juiz? Lula tem um carisma enorme. O carisma que o Mandela tinha na África. O Lula tem. Como o Brizola também tinha, como o Covas tinha, mas era um carisma diferente. O Covas na Constituinte, quando ele falava, conquistava todo mundo.

Como fica o PT nessa crise toda?
O PT tem que fazer uma autocrítica, com Lula ou sem Lula. É a ponte para o futuro, para novos caminhos. Gosto muito e repito esta frase que um poeta espanhol disse: “Caminho a gente vai caminhando”. Nós temos que retomar a caminhada em cima dos grandes princípios das causas que embalaram toda a nossa juventude. Que embalou o PT. É isso que acho. É hora de construir e apostar também, é claro, em novas lideranças.

Lula é maior que o PT?
Os grandes líderes são assim. Mandela era maior que o Congresso Nacional. Eduardo Campos era maior que o PSB, Brizola maior que o PDT.

Mas corre-se o risco de ficar refém.
Corre-se esse risco, corre-se porque conheço essa história de muitos e muitos anos. Estou com 67 anos, mais três anos estou com 70. E vivi com todo esse povo aí, Ulysses, Tancredo, Brizola, Simon foi meu parceiro. Defendo a tese de uma frente ampla, mas não é aquela frente ampla que alguns tentam vender de: vamos unir aqui os partidos mais à esquerda. Não é isso. Tem que unir a frente ampla com lideranças dos movimentos sociais, as lideranças partidárias. E somente assim é possível mudar o curso da história.

Os sindicatos perderam importância nesse momento?
Quando nós chegamos ao poder, o PT e os sindicatos entenderam que estava tudo resolvido. “Agora, nós temos um sindicalista na Presidência e está tudo bem”. Só que não é assim. Os sindicatos tinham que continuar na rua, fazendo pressão, movimentação. Mas, não, retiraram-se quase que totalmente. Grande parte dos sindicalista foi para as estruturas do governo e, de repente, se criou um vazio no movimento sindical.

Existe o risco de um acordão de salvação da classe política?
Claro que é um acordão, uma porcaria, para não usar outra expressão, é isso. Mas isso não está em sintonia com a população de jeito nenhum, quem está vendendo essa ideia está errado. É diferente de você começar a reunir grupos de senadores e deputados que querem começar a entender o que está acontecendo nesse país. Temos 12 governadores indiciados, oito ministros, o Temer, só não, por causa da função. Todos os últimos presidentes estão envolvidos. Quando o cara da Odebrecht diz que isso é esquema de 30, 40 anos atrás, é muito forte. Eu acho que a saída no Brasil seria nós partirmos de novo para uma assembleia nacional constituinte. Esse Congresso não tem moral para mudar isso. Todo dia aparece mais uma lista com mais gente. Não tem moral para fazer reforma tributaária, não tem moral para fazer reforma política, reforma trabalhista, da Previdência.

A classe política está assim tão desacreditada?
Com certeza. E falo com propriedade, porque estou nela.

O senhor tem medo de 2018?
Medo nenhum. Sabe por que eu não tenho medo? Porque pior do que está não pode ficar. Venha quem vier, não será pior do que o que está aí. Não será pior que esse Congresso. Essa legislatura chegou ao fundo do poço. Olha para aquela Câmara dos Deputados, é uma piada. Eu fui deputado muitos anos. A minha esperança é que o povo, vendo tudo isso, parta para um novo momento. Estamos num estado de caos. Está faltando indignação popular. Parece que está todo mundo como avestruz, com a cabeça enfiada na terra. Mas não dá para continuar cutucando a onça com vara curta.

Mas como o senhor vê dois nomes que estão sendo colocados como candidatos, como João Doria e Jair Bolsonaro?
Bolsonaro eu tenho certeza de que não se elege, nem arranca. O Bolsonaro é o extremo do extremo. O povo brasileiro não gosta do extremo. Não vou dizer a mesma coisa do Doria. Doria incomoda, mas, por outro lado, temos nomes que estão surgindo. O próprio Ciro Gomes pode ser um nome aglutinador caso o Lula não possa concorrer.

O senhor defende uma parceria assim, até mesmo que o PT abra mão de ser cabeça de chapa?
Eu acho que pode sim. Pelo bem da pátria, nós todos vamos pra guerra e levamos até nossos filhos juntos. Ninguém vai se acovardar. Por que, numa situação como essa, o PT não pode abrir mão de ser cabeça de chapa? Seja para governador, seja para presidente, seja para prefeito. Qual é o problema? Não vejo nenhum mal em abrir mão da cabeça de chapa em cima de um projeto de nação, que nós podemos construir todos juntos. Por isso que eu falo na formação dessa frente ampla.

O Ciro aglutina o PT?
A questão não é pessoal. O Ciro é um quadro muito preparado. Ele fala demais, mas chega um momento em que o povo quer ver alguém falando mais firme. Que tenha posição firme e clara. E o Doria, pra mim, está cometendo um erro em estar ofendendo pessoalmente o Ciro. É um erro que ele está fazendo. Está muito cedo pra isso. Eu não entraria nessa.

Hoje ele é o nome do PSDB?
Acho que sim. Acho que o PSDB já o escolheu devido à situação que se apresenta.

 

 

Correio braziliense, n. 19697, 01/05/2017. Política, p. 4.