Vigilância nas fronteiras diminuiu nos últimos 10 anos

André Guilherme Vieira

05/01/2017

 

 

O crescimento de organizações criminosas brasileiras que traficam drogas e armas nas fronteiras com países da América do Sul ocorreu, ao menos nos últimos 10 anos, na medida em que o governo federal relaxou a fiscalização em pontos estratégicos dessas áreas-limite, simultaneamente à perda de poder de traficantes colombianos que tiveram territórios dominados por facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho (CV) e sua ramificação no Norte e Nordeste, a Família do Norte (FDN).

A opinião é de agentes e delegados da Polícia Federal com anos de experiência no combate ao narcotráfico em postos próximos às fronteiras com Bolívia, Colômbia e Peru, que hoje estão sucateados ou desativados, segundo relatam. Eles concordaram em falar ao Valor sob condição de anonimato, porque temem eventuais represálias que poderiam ser aplicadas na forma de sanções administrativas.

Essa avaliação também é partilhada pela Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), para quem o governo federal vem promovendo "um esvaziamento total do que deveria ser uma ação conjunta de órgãos de polícia e de controle de imigração".

O atual efetivo da PF no Amazonas, que faz fronteira com Colômbia e Peru, dois países produtores de cocaína, é de cerca de 200 homens, segundo o presidente da entidade, Luis Antônio Boudens. Para ele, é evidente a ausência do Estado em áreas sensíveis de fronteira.

Boudens explica que a instalação de células de facções criminosas nas proximidades da fronteira não é um movimento aleatório, porque visa à facilitação da logística para o transporte de cocaína e armas ao Brasil, afirma.

"Parece que o governo não se deu conta do óbvio. As facções estão se aproximando da origem das drogas, de onde são produzidas. Estão dominando toda a logística onde o Estado não existe", diz.

Boudens alerta que essas organizações criminosas estão treinando e equipando "soldados" cooptados na Bolívia, Colômbia e em outros países de fronteira, para escoltar remessas de drogas e armas ao Brasil.

"As antigas mulas de aeroportos, que levavam a droga no estômago ou escondida no corpo e na bagagem, estão dando lugar a verdadeiros soldados que podem reagir a qualquer momento em que forem ameaçados", relata.

De acordo com Boudens, esses soldados são financiados pelas facções e por suas associações para diminuir as perdas que envolvem o negócio do tráfico. "Eles são plenamente capazes de reagir com grande poder de fogo às abordagens das patrulhas policiais, que muitas vezes contam apenas com três ou quatro agentes", afirma.

A escalada do poderio da Família do Norte e a ampliação de suas relações com milícias de outros países não são novidade para os órgãos de Estado. Em relatório de investigação de 2014, a Polícia Federal relata que a FDN mantinha "estreitas conexões" com outras organizações criminosas, "em especial o Comando Vermelho, além das Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc)".

Esse mesmo documento reporta que a FDN obtém armas como fuzis AK-47, submetralhadoras Uzi de fabricação israelense, além de granadas de mão - material que deveria ser restrito ao uso de forças militares, mas que está entre os itens negociados no mercado negro internacional das armas.

A Bolívia é hoje a questão central na estratégia de combate ao narcotráfico, segundo policiais federais ouvidos pela reportagem. É a maior produtora de cocaína da América do Sul. A qualidade de sua pasta-base ganhou valor ao longo dos anos, o que permite ao traficante final "batizar" maior quantidade de subprodutos da cocaína, como o crack, elevando o lucros das vendas.

São, ao todo, 3,4 mil quilômetros de fronteira com a Bolívia, dos quais 2,6 mil quilômetros formados por rios e canais, segundo dados da Segunda Comissão Brasileira Demarcadora de Limites do Ministério das Relações Exteriores. O país faz fronteira com os Estados brasileiros do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

O transporte pela via hídrica tem sido explorado pelas organizações criminosas, conforme apurou o Valor. Agentes relatam casos em que embarcações de indígenas são alugadas pelos narcotraficantes para levar a droga no meio da selva.

"Precisamos, para ontem, retomar bases fixas em pontos estratégicos para neutralizar o tráfico, fazer o mapeamento desses locais. Isso só será possível com a integração de trabalhos da PF, da Polícia Rodoviária Federal e do Exército. Não precisa aumentar efetivo, precisa realocar com inteligência", sugere Luis Boudens.

Ele aponta a necessidade de reativação da base do Anzol, em Tabatinga (AM). Segundo investigação da PF e do Ministério Público Federal (MPF), é neste município que se distribui a rede de contas bancárias da FDN, com valores movimentados por laranjas.

A PF em Tabatinga conta atualmente com um total de 40 policiais federais.

Os principais postos avançados da PF no Amazonas têm efetivo diminuto: são dois homens em São Gabriel da Cachoeira; dois em Tefé e apenas outros dois agentes na Garateia, em Santo Antônio do Içá.

Todos os policiais ouvidos para esta reportagem apontam a necessidade de o governo adotar uma política de monitoramento adequada, com emprego de drones ou de Veículos Aéreos Não Tripulados (Vants) para vigiar áreas remotas de selva.

"O governo fracassou no projeto do Cintepol, que disponibilizaria ferramentas de inteligência. Não houve sucesso na integração do sistema com os Estados e o treinamento de pessoal para controlar os vants se mostrou excessivamente custoso", lamenta Boudens.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4167, 05/01/2017. Política, p. A7.